quinta-feira, 30 de outubro de 2003

À flor da pele





Apesar de se intitular Epiderme, as palavras e as imagens deste blog vão muito mais fundo. Não será um blog fácil no sentido do abraçar da mensagem, pois precisamos de alguma força e conhecimento para nos permitirmos aqui a este abraço. Quero dizer, Pedro Jordão discute e questiona com referências, com cultura, com originalidade e isto convoca ou deve convocar, pelo menos, uma resposta ao mesmo nível. Um blog pensado e sentido para pensarmos e sentirmos. E, se possível e desejado, deixar umas farpas.



Para quem gosta de arquitectura, mesmo que, como eu, esteja à margem do seus cânones técnicos e a admire pelos seus resultados sensíveis, torna-se um ponto de visita obrigatório.
Amar é, primeiro, olhar para trás
Ele está de volta



Quem o diz é o Gato de Cheshire.



Gato, não te queria dizer nada...mas ele já por aí andava há uns tempos. Basta lê-lo no Alta Fidelidade.



But I got your point. A ver.

domingo, 26 de outubro de 2003

Memórias ou a Recuperação dos Sons

As memórias são grandes teias aspirantes. Quando se formam podem fixar todos os elementos naturais e intelectuais existentes num momento. Assim, com o som. É possível e frequente que canções mas também álbuns inteiros ou mesmo músicos e bandas fiquem associados a um momento das nossas vidas, a uma pessoa. Eis o que de mais banal há, eis o que sempre me perturbou mas a que me resignei.
Morphine, por exemplo, estará para sempre ligado aos primeiros dias na Juke Box da Rua da Fé, pois, por esses dias apenas isso ouvia e por esses dias conheci I., a minha loucura da altura.
José Padilla, Café del Mar, vol. 6., é Barcelona, 2ª vez. Mas estes são os exemplos de que me lembro porque verdadeiramente alucinante é, por vezes, colocar, incauto, um álbum na aparelhagem, daqueles há muito não ouvidos e, de repente, ser transportado a um dia, a uma discussão, a uma tristeza, a um trimestre, a uma casa.

Hoje revoltei-me. Havia já começado, esta semana passada, sem o saber. Mas hoje deu-se a revolta completa, assumida. Em nome de uma memória maior, em nome da vida, da morte, da liberdade, sempre tão genéricas e confusas que legitimam tudo, incólumes.

Elliott Smith, começando também por ser Barcelona, 2ª vez, tornou-se - assim acontece - dor profunda, meses de angústia em que só ele me escutava, só eu o escutava, pensava. Não estava nada bem, mesmo nada. E parecia-me que ele compreendia a intensidade e a profundidade do que estava a sentir. Também ele cantava o que eu sentia (e cantava para mim). Também ele sofria em expressão íntima.
Quando esses tempos mais fundos passaram descobri com horror que ouvir Elliott Smith, era ser transportado para o coração da dor, para esses meses de sofrimento, que a custo tinha ultrapassado. Durante meses não o consegui ouvir. Eis o efeito pérfido da memória.

Há três dias, Elliott Smith matou-se. Estava em casa quando o descubro. Dou dois passos e coloco na aparelhagem Either/Or - repeat all. Assim adormeço, assim acordo.
Mas só hoje me lembro da memória do sofrimento anterior, só hoje reparo, com surpresa, que estou a ouvir Elliott Smith, feliz - veja-se o paradoxo - apesar da razão, pois ouvia-o por ele. Ouvia-o, agora, de novo. Sei que se formaram novas memórias. Sei que o recuperei. Sei que Elliott Smith, comigo, se libertou com a morte. Ouço-o, de novo, livre. Ouço-o, de novo, como o Elliott Smith que descobri, com calma, em Barcelona, onde os dias eram serenos, na inestimável companhia do Cigano e de amigas.

Recuperei o seu som, a sua figura, a sua voz e as suas palavras.

Elliott Smith está morto. Vive Elliott Smith!

quinta-feira, 23 de outubro de 2003

O meu sentido é o teu sentir.
Dentro do Entre



A minha amiga Cat S, apresenta a sua visão do mundo. Tão desconcertante quanto deslumbrante. Sempre em apuro.



Até me dá vontade de escrever também....em vez de estar para aqui a despejar pensamentos.





quarta-feira, 22 de outubro de 2003

O renovado agradecimento





Há alguns livros que folheio todas as semanas, relendo algumas das suas páginas como alimento singular para o espírito.

Um deles é Sete cartas a um jovem filósofo de Agostinho da Silva. Há livros com que crescemos e que, assim, crescem connosco, revelando-se e revelando todo o seu esplendor a cada leitura, entenda-se, a cada experiência acumulada no olhar que de novo lê. Eis aqui o exemplo acabado. Cada semana que folheio As sete cartas... sempre a obra me parece algo diversa.

É curioso, acontece-me o mesmo com outra obra com o toque de Agostinho, Três Ensaios - Do professorado; Da educação das crianças; Da arte de discutir - de Montaigne, por ele traduzidos. Livros fundamentais.





Deixo-vos só esta amostra.



"Sinto-me bem mais orgulhoso com a vitória que obtenho sobre mim próprio quando, no ardor do combate, me curvo sob o peso das razões do meu adversário, do que me satisfaço com a vitória que obtenho sobre ele pela sua fraqueza"



"Na minha terra e no meu tempo, a sabedoria melhora bastante as bolsas, raramente os espíritos"



e a minha preferida...



"Entretanto, nada me irrita mais na estupidez de que a satisfação que tem de si própria, maior do que a que, razoavelmente, pode ter qualquer inteligência"



Montaigne, Da arte de discutir.





Obrigado, Agostinho. Por tudo.



"Ou você tem a obra e a fará, através de todos os riscos, ou não a fará, porque a não tem"



Agostinho da Silva, Sete cartas a um jovem filósofo
O Começo de um livro é precioso

Desta vez a Assírio & Alvim apurou a perfeição ao publicar o novíssimo livro de Maria Gabriela Llansol, com ilustrações de Ilda David', O Começo de um livro é precioso.

Poderia dizer-vos que é um livro de magníficos pequenos poemas e estupendas ilustrações mas não se trata de nada disso. Há-de ser outra coisa qualquer, como tudo o que Maria Gabriela escreve. Hão-de ser, por exemplo, começos de livros.

Mesmo não sabendo o que é, sei a que sente: satisfação e plenitude.

Obrigado, Gabriela.
No volume certo para acalmar a inquietação...



os Concertos de Brandenburgo de J.S.Bach



É um outro mundo...



para a Mariana

terça-feira, 21 de outubro de 2003

O Pântano



eu chamar-lhe-ia A decadência, ao magnífico filme argentino realizado por Lucrecia Martel. Uma decadência tanto mais cruel e assustadora quanto se presencia no meio da juventude, sempre com crianças e adolescentes pululando por todo o lado.

O Pantâno é um filme magnífico de uma fotografia realista brutal que assim acompanha a história simples que sempre encerra a complexidade indizível da vida. Queremos desmontar tudo o que está acontecer para compreender tudo o que está a acontecer. Mas tal é impossível pois estamos num pântano e as areias, como o tempo, vão escorrendo e tudo arrastando. Vida, risos e juventude.

Todos recebem esta marca, por todos perpassa a perdição, mesmo através de evidências físicas. O desfecho é o menos importante. Mas é inevitável, brutal e sem explicação ou merecimento.

Como a vida.





No cinema King, em Lisboa
When time stands still



Don't worry, I have yet to put my arms around you



And then, there will be no age or fear. Only us.





Let's follow the yellow brick road...



segunda-feira, 20 de outubro de 2003

Há coisas que não surpreendem



Comprei o meu primeiro álbum de R.E.M., ainda em vynil, em 1991. Tratava-se de Out of Time e era impossível não ouvir Losing My Religion a toda hora em qualquer lugar. Fiquei completamente fascinado pela voz do Mestre Stipe e pelas letras. Sim, pelas letras incompreensíveis (não é à toa que também gosto de Cocteau Twins) mas exactamente por isso cheias de significado. A partir desse momento comecei a coleccionar todos os álbuns anteriores da Banda e se alguma vez fui um verdadeiro fã de alguma coisa foi de R.E.M.. Aliás, num célebre (para mim e os meus amigos) concurso lançado pela então novíssima Antena 3, ganhei todos os prémios em vários dias consecutivos tendo sido proibido de participar (finalmente toda a verdade é revelada), no entanto, qual Robin Hood, distribui, os CD's, polos e meias pelos meus amigos que me haviam emprestado o seu nome para poder participar. Acreditem ou não o maior prazer era o desafio de responder às perguntas sobre R.E.M. e outros desafios.

Vê-los ao vivo foi também atribulado pois só por uma vez vieram a Portugal e mesmo assim com um alarme devido ao problema de saúde de Bill Berry. No entanto lá me encontrei no Pavilhão Atlântico para esse momento fundamental.

Hoje os R.E.M. são parte de mim, estão incluídos em centenas de episódios da minha vida, quase todas as suas canções me relembram uma situação ou uma pessoa, um dia ou uma ocasião.



Hoje, ao cabo de ler Mestre Inagaki há já alguns meses e de o considerar uma referência essencial no meu modesto universo bloguístico, descubro sem qualquer surpresa que também ela partilha uma paixão pelos R.E.M.. Descubro-o através de um texto sobre um concerto onde também gostaria de ter estado: R.E.M. no Rock in Rio, 2001. Tudo o que ele aí escreve podia ter sido escrito por mim (exceptuada a mestria), incluindo a referência ao seu álbum preferido, que me fez decidir escrever este post, Document, n.º 5. Só há uma coisa que posso acrescentar: em Lisboa ele tocou o Orange Crush. E ainda bem pois a minha orange crush estava comigo nesse concerto.



Um abraço Alexandre
Favor comparecer



na exposição do Ricardo, pintor virtuoso. Tempo bem preenchido, melhor diria, vivido. Como as telas dele.



Visitem-no aqui.
Acto de Contrição



Confesso que durante algumas semanas não visitei a Ana e o seu Modus Vivendi. Hoje regressei e percebi-a muito Drummond de Andrade. É por estas e por outras que sempre regresso, sem precisar de lembranças, à sua companhia. Visitem-na também.

domingo, 19 de outubro de 2003

Razão e Emoção #1



O perfeito raciocínio, claro e sensato. Prudente. A previsão estruturada, mediante categorias, a um fim.



A explosão, a incerteza, o frémito das veias como da visão. O fim, sem caminho até à chegada. Só vontade.
Confirmado



Há algumas semanas escrevia aqui sobre o novo álbum dos The Shins, Chutes too narrow.

Agora que já o saboreei longamente posso afiançar-vos que é um álbum a ter em conta!

Desde logo trata-se de um verdadeiro álbum, de um todo, em que as canções se relacionam e complementam. E sempre com o mesmo estilo alegre e simultaneamente rebelde e crítico que caracteriza esta banda de Albuquerque.



Muito boas horas preenchidas com este álbum, garanto.
Waking Life



I open my eyes and look for the clock in the dusk. How did I sleep so little and feel so good, I wonder. I don't know what CD is in the stereo, I just press play...





"Are you the right man for me?" (Bluebeard, Four Calendar Café, Cocteau Twins - thanks Liz)



I shrunk my shoulders, smile and reply:



I don't know....you tell me....





Há coisas assim...
É só isto



São 6:05 da manhã...e estou estupidamente feliz.



sábado, 18 de outubro de 2003

Energia pura



Memorial, a música n.º 4 do último álbum de Explosions in the Sky, The earth is not a cold dead place.



e, depois,



Your hand in mine, apetece-me acrescentar, always.



Brutal.
Só para deixar claro..



Sim. Sim. Sim!





Eis a minha convicção. Com um sorriso.
A Barreira Invisível ou Have you passed through this night?



Agora sei de onde me lembrava de Explosions in the Sky. Ouço com atenção o álbum do meio, Those who tell the truth shall die, those who tell truth shall live forever.

Chego à música n.º 4 do álbum, Have you been through this night? e começo a escutar palavras familiares. Num repente regresso a um dos meus filmes preferidos - The Thin Red Line de Terrence Malick, que tive oportunidade de rever este ano na cinemateca, aquando de um ciclo de cinema de guerra. Penso que já aqui o escrevi, mas recupero, que os filmes de guerra e os épicos são dois dos meus géneros preferidos. Desde logo porque a fasquia está sempre muito alta neste tipo de filmes...é muito fácil fazer um mau épico ou um mau filme de guerra. Mas nos épicos há uma dimensão de transcendência humana que me fascina e sobre a qual escreverei um dia. Por outro lado nos filmes de guerra o homem é retratado no seu excesso máximo, no ponto onde a sua humanidade é testada até ao limite e onde a hipocrisia e a negação são muitas vezes supreendidas, mesmo quando vencem. Isso mesmo consegue demonstrar Terrence Malick na sua magnífica Barreira Invisível.

Malick filme com uma mestria suprema o metafísico da guerra, que é sempre o mais importante, pois é o que pode prevenir futuras guerras. A humanidade, o Mal e o Bem, nessa arena de veias, pêlos, suor, desejos, amarguras onde se vive uma Guerra, o momento final das esperanças e das ilusões.... é bom encontrar Explosions in the Sky por entre as profundas palavras da estreita linha vermelha:



"This great evil?...where does it come from? How did it steal into the world? What seed, what root did it grow from?

Who's doing this?

Who's killing us?

Robbing us of light and life. Mocking us with the sight of what we might have known?

[...]

Does our world benefit the Earth? Does it help the grass to grow and the sun to shine?

Is there darkness in you too? Have you passed through this night?"






Veja-se o que a banda diz sobre isto, aqui.
E a propósito de música brasileira...



E o novo álbum de Maria Rita Mariano, a filha da Elis Regina? Raios partam estas filhas de peixes que nadam como tudo...eu a falar da Bebel há pouco...pois ponham os ouvidos neste menina...até dói...

No álbum com o mesmo nome Maria Rita põe-nos no mesmo sítio para onde eramos levados pela voz da sua mãe. Até dá calafrios...
Espanatado



Não, não é gralha. Às vezes sinto-me espanatado com as coisas que me acontecem....com a vida, enfim.





a palavra espanatado é da criação de Inana, importante e fantástica deusa Suméria
Explosions in the Sky



Vou começar neste momento a ouvir de seguida os três álbuns de Explosions in the Sky.



Para começar, o fantástico, How strange innocence, cujo título é, aliás, caro ao que se escreve por aqui...



thanks M.
Comunismo e Música Brasileira



Aqueles primeiros 15 anos de vida, diz Piaget, são decisivos para a construção da nossa alma mater. Coisas que vamos levando pelos dias, quase sempre inconscientes e cujo único propósito pode ser, em apenas uma ocasião, em toda a nossa vida, nos permitir sobreviver ou criar. Uma memória, uma virtude, um defeito, uma explosão, todos escondidos nos nossos mais recônditos cantos, afastados do Eu que vamos sabendo, ou querendo, ou construindo, ou outra coisa qualquer.

Não sei se isto é verdade para toda a gente mas revelo-o verdade para mim. As experiências dessa fase da minha vida (recente, como sabem sou só um puto) marcaram-me de formas tão impressivas e profundas que durante muito tempo, mais do que me rebelar contra a impotência dos seus efeitos, deixei-as operar livremente em mim, voltei-lhes as costas, consciente de que um dia me reencontraria com elas.

O comunismo e a música brasileira são talvez as duas mais fortes. Lembro-me que na casa onde cresci havia um enorme poster do Che Guevara na porta da sala, todo a vermelho e preto. Lembro-me de pessoas em minha casa a falar das lutas na Sierra Maestra, no colonialismo, nos tumultos na Grécia (bolas, do que um gajo se lembra). Amarcord de muitos livros sobre o comunismo, incluindo o monolítico Das Kapital que li como se lê um romance, aliás, a seguir à Guerra e Paz (só anos mais tarde percebi a ironia de tudo isso...). Tudo isto que me lembro é, no entanto, nada quando comparado com a noção que tenho de que me recordo de muito pouco...que só intuo pelas reacções que em mim produziram. No que toca ao comunismo, acho que esta Esquerda automática, esta osmose em que vivi, fez-me querer conhecer outras hipóteses, outras visões do mundo. Foi muito complicado explicar, mesmo a quem estava perto de mim, muitos anos passados, que o meu interesse pela Direita era a natural curiosidade pelo diferente. Infelizmente nem sempre assim tão natural. A vontade de sair da terra natal e ficar deslumbrado com outras cidades. Passei a adolescência a tentar aprender e perceber a Direita, quando todos à minha volta se agitavam de Esquerda, entre PSRs, UDPs, PRDs, PSs e não alinhados (infelizmente já perdi o MES, que só a muito custo recordo). Como explicar que estava com eles, até demais?! Que estava farto da Esquerda, com que havia crescido, mas que estava inexoravelmente em mim, primeiro por cultura e aprendizagem, depois por reconhecimento, estudo e natureza. Como explicar que, no entanto, não queria ser cego, que já nessa altura o paradoxo e a diversidade me faziam sentido, que as coisas que somos e assumimos têm mais valor se conhecemos e assumimos aquilo que não somos, aquilo que decidimos não ser, aquilo contra o qual batalhamos. Eu não sou contra a Direita por que são Eles, do outro lado da barricada, sou-o porque os tento conhecer, tento aprender as suas ideias e confrontrar-me, primeiro a mim depois a eles, com as suas contradições e discordâncias.



O mesmo me aconteceu com a música brasileira. Cresci a ouvir Caetano, Alcíone, Gilberto Gil, Dominguinhos, Chico Buarque, Betânia, Gal Costa, Tom Zé, João Gilberto, Elis Regina, Raimundo Fagner. Não tive hipótese de escolha. As cópias de Primária, ao Sábado de manhã eram ao som destas mulheres e homens. Ouvia-se de tudo, desde a MPB a forró, passando por outras coisas que não lembrariam ao diabo. Quando comecei a poder escolher eu mesmo a minha música compreenderão, ou talvez não, que música brasileira era the last thing on my mind. Não tanto por estar farto mas por achar, mais uma vez, que o mundo tinha de ser mais. Tinha de ter mais. Aqui a estranheza adolescente foi menor uma vez que muitos dos que me rodeavam não tinham qualquer ligação com a música brasileira. No entanto quando comecei a dar-me com pessoas que ouviam mais MPB ou quando os meus amigos o começaram a fazer...como explicar-lhes que não se tratava de não gostar ou conhecer a música brasileira...mas que com aquela idade estava farto! Sounds a little pretentious let's face it. Well...fuck...but it was true... De qualquer modo eu sentia, cá dentro, que só precisava de tempo para descansar, que um dia voltaria a reencontrar-me com ela, com a música brasileira e que nessa altura tudo aqui dentro acordaria e recordaria. Esse momento aconteceu não há muito tempo, quando passeava pela Fnac do Chiado. É verdade que já alguns anos antes desse momento ouvia, por vezes, Marisa Monte mas nada de especial...foi nessa tarde ao tropeçar com a Bebel Gilberto, na sua estreia. Ouvi o CD todo do princípio ao fim, feito parvo, atrasei o meu regresso e, claro, comprei-o. Alguns meses depois, lá estaria, nas cadeiras do Grande Auditório do CCB a ouvi-la naquele concerto prodigioso! Estava iniciada a minha reconciliação com a música brasileira. Podia finalmente mergulhar nos vynis caseiros e recuperá-los por mim mesmo, sem imposições e desenhar eu próprio as minhas trajectórias, sempre com a experiência estranha de, cada vez que ouço música brasileira, se sobreporem camadas de memórias, com beijos de namoradas, à boca do fim dos teen years e outras com beijos da minha mãe a dançar comigo nos braços.



Djavan



A propósito de um comentário da S. fiquei a pensar em Djavan. Já não o ouvia há muito tempo e, curiosamente a última vez que tinha tropeçado nele tinha sido em 1999 com o álbum ao vivo de que a S. escreveu. Those were the days...



No entanto nada comparado com os idos de 1981, em que Djavan lançou o seu mais fantástico álbum (pelo menos o meu preferido e que mais me marcou), Seduzir. Em poucos meses o álbum tocava na minha sala diária e continuamente....aliás como quase toda a música que o Brasil produzia... acho que era a forma dos meus pais perpetuarem os dias passados nos calçadões do Rio, à beira-praia em Natal ou nas areias perdidas de João Pessoa.



Desses tempos lembro-me de quase nada concreto, só dos sons e das memórias esbatidas a eles ligados. Quando anos mais tarde fui tentar dar nome às músicas descobri com sorrisos palavras como Seduzir, Êxtase e Total abandono. Quando pressionei a tecla da aparelhagem, agora já com o CD e não o vynil o salto quântico foi inevitável...estava reconciliado com o passado. Ou pelo menos regressado. E os regressos nem sempre são fáceis...mas hoje Djavan é ouvido menos mas com muito mais paixão e compreensão. Agora sei o lugar dele.
Alta Fidelidade



Por sugestão do Chapeleiro Maluco ouço Finally we are no one dos islandeses Múm, que não conhecia. Genial.
Vamos lá fazer disto hoje o verdadeiro web log



Almoço:



Sopa de abóbora

Salada de agriões, alface e cenoura com farripos de fiambre





...e nem vos digo o que fiz ontem para o jantar... mas o vinho era bom...o Portalegre 2000, o outro era mediano...e ainda tenho uma garrafa de Alvarinho no frigorífico, daquele mesmo comprado em Melgaço, por abrir...



Também tenho de recuperar da ressaca.
Dido



Já agora porque não falar um pouco sobre Dido?



O primeira figura que se conhece com este nome, e deve ser daí a origem do nome, é a Dido cartaginesa com quem Eneias, na sua fuga de Tróia (indo acabar em Roma), se cruzou. Esta princesa apaixonou-se pelo príncipe troiano que, infelizmente estava apenas de passagem, pelo que lhe deixou um amor não continuado. Se lermos as letras da Dido inglesa...acho que a história não mudou muito (de qualquer modo podem ler a Eneida de Vírgilio e ficam a perceber tudo...)



Em Portugal o fundador da Arcádia Lusitana (sim, aquela do Bocage), Correia Garção escreveu uma Cantata a Dido...muito neoclássico mas muito engraçado de se ler...e, com o espírito certo, muito romântico e erótico...well depende do lugar, da disposição e da roupa...as always...



Começa assim:



Já no roxo oriente branqueando,

As prenhes velas da troiana frota

Entre as vagas azuis do mar dourado

Sobre as asas dos ventos se escondiam.

A misérrima Dido,

Pelos paços reais vaga ululando,

C'os turvos olhos inda em vão procura

O fugitivo Eneias.




Grande Correia Garção e grande Dido...



...eu uma vez, quando ainda era mais puto e tinha a mania que escrevia, acho que desenhei umas palavras sobre este poema... como hoje vou andar a mexer nisso, se encontrar ponho aqui.
Pela música



Hoje o dia vai ser onírico e espiritual.



Na sala toca em repeat mode Four Calendar Café dos essenciais Cocteau Twins.



No quarto toca, por enquanto, Life for Rent da Dido. Eu sou um amante de lyrics, é o que me prende a um álbum...estou a descobrir este. E estou a gostar. Acho que a Dido deve estar com a mesma visão das relações humanas sobre a qual ultimamente ando a ponderar...



a ideia é vaguear pela casa a fazer as milhares de coisas que para hoje desejei (se fizer 3 ou 4 já será bom) sempre com banda sonora.



Stay tuned for more
Para abrir ...



o dia hoje vai ser em grande...





Já o tinha dito a propósito do primeiro álbum...mas eu e esta mulher estamos em permanente sintonia.

E ainda por cima tem uma voz deslumbrante...





"White Flag"



I know you think that I shouldn't still love you,

I'll tell you that.

But if I didn't say it, well I'd still have felt it

where's the sense in that?



I promise I'm not trying to make your life harder

Or return to where we were



Well I will go down with this ship

And I won't put my hands up and surrender

There will be no white flag above my door

I'm in love and always will be



I know I left too much mess and

destruction to come back again

And I caused but nothing but trouble

I understand if you can't talk to me again

And if you live by the rules of "it's over"

then I'm sure that that makes sense



Well I will go down with this ship

And I won't put my hands up and surrender

There will be no white flag above my door

I'm in love and always will be



And when we meet

Which I'm sure we will

All that was then

Will be there still

I'll let it pass

And hold my tongue

And you will think

That I've moved on....



Well I will go down with this ship

And I won't put my hands up and surrender

There will be no white flag above my door

I'm in love and always will be



Well I will go down with this ship

And I won't put my hands up and surrender

There will be no white flag above my door

I'm in love and always will be



Well I will go down with this ship

And I won't put my hands up and surrender

There will be no white flag above my door

I'm in love and always will be




Dido, White Flag no álbum Life for Rent

quinta-feira, 16 de outubro de 2003

Tenho de aprender



Tenho de aprender a desistir, a perder, a deixar ir, a sofrer. Para quê? Para que ser um ponto de luz no meio da parte negra da vida faça algum sentido. A clareza não é genuína se mora sempre num éter luminoso e protegido. Não estou a dizer nada de novo, o Siddharta só iniciou o caminho da iluminação depois de olhar os mendigos e os pedintes à porta do seu mundo rico e perfeito. Mas não estou a dizer que o único caminho é o de despojamento. Apenas que o temos de assimilar. Temos de ir passear ao lado negro da vida, morar lá um certo tempo e, sobretudo, viver das suas experiências. Só assim nos descobriremos, só assim compreenderemos se o que pensamos ser, o que sonhamos ser tem alguma aderência à realidade.

É que uma coisa é acharmo-nos do Bem ou do Mal, da Luz ou da Sombra, Isto ou Aquilo, outra coisa é sermo-lo realmente. E para o compreendermos é necessário mergulhar nas trevas com a convicção de que tudo o que aí precisamos é de continuar a ser um ponto de luz, ou seja, acreditarmos em nós e que estamos ali, não por ali pertencermos mas, porque o nosso percurso se enriquece por ali. Eis uma visão alternativa do Dark Side. É curioso que o inverso é muito comum. Há muita gente que sendo escura caminha pelo mundo da Luz não já por aí querer ficar e pertencer mas porque acha que o seu percurso por aí passa, mantendo-se, no entanto, fiéis a um certo azedume para com a Vida. Pois aqui trata-se do contrário. Aliás, as mitologias e as religiões estão repletas de viagens aos Infernos, de Hércules a Dante, em que a tentação é figura central mas em que, por fim, o viajante se depura e melhor compreende as dimensões várias do mundo e da vida. De si mesmo.



Como optimista e folgazão urge que viaje ao outro lado. Acho que já me reconheci o suficiente da Luz para poder agora - para precisar agora! - de aprender o Outro Lado. Ideias? Ter Alguém por perto, de preferência com o mesmo fascínio. O percurso ao Outro Lado da Vida nunca deve ser feito em solidão, mas na companhia do Outro de Nós.



Urge aprender para que nos possamos devolver ao que sabemos ser a nossa natureza, aí muito mais clara, forte e determinada.



Já fiz parte deste caminho mas por vezes sabe bem voltar, percorrer outros caminhos, para nos relembrarmos como são boas as coisas surpreendentes que nos sucedem. E como podemos aprender a descobrimo-nos nelas.

quinta-feira, 9 de outubro de 2003

Depois



Depois ela chegará, despercebida (não a Liz Fraser, mas o meu amor) e eu estarei ainda cansado, silente, com um imperceptível sorriso no rosto, esboço de um total sorriso interior. Estarei ali frágil, despido, cru perante ela, sem subterfúgios, sem diversões, sem manobras, estarei ali, revelado e entregue. E num repente, entre a linguagem do lamento e da libertação, com um travo meio apalhaçado e ridículo direi:



"Oh I want you, Oh I want you... like a kangaroo..."



repetirei este canto uma ou duas vezes. Não sei como reagirás, que forma tomará o teu rosto, que movimentos o teu corpo. Não sei o que sentirás por dentro, que imagens se desenharão no teu horizonte imaginário. Apenas sei que vou ouvir, entre a realidade e o sonho, os teus lábios proferirem, em jeito de resposta



"Oh really my dear I can't see what we fear.

Standing here with ourselves in between us.

And at the door, we can't say more, than just another day.

And without a sound, I turn around, and walk away."




E não será uma partida, mas antes um regresso e teremos um caminho à nossa frente, sem promessas ou ansiedades, só desejos.

E agora?



Estava visivelmente cansado nessa precisa esquina do ano. Com alguns projectos concretizados, arrumados e dados à luz. Então a voz interior perguntou-me



E agora?



Agora, respondi, vou para casa, ao lusco-fusco, namorar com a Elizabeth Fraser, ao som de Another Day.



Nada mais importa.

quarta-feira, 8 de outubro de 2003

Contrastes



Estou a fitar o ecrã há algumas horas, intercalo trabalho com alguns posts, esfrego os olhos para os manter acordados, penso em novos argumentos para demolir os argumentos alheios, fito o ecrã, a preto e branco, fito as palavras e os números.



Num repente lento olho para o lado, à esquerda, onde está a enorme parede que não o é, toda vidro, em comprimento e, através dela, encimando o céu de Lisboa, fito uma perfeita, redonda Lua Cheia. Daqui mesmo, escrevendo este texto e olhando-a de soslaio, aí está ela, luminosa de sol, com a sua brancura e a escuridão dos seus mares, vales e montanhas.



Penso, Fica por aí. Ainda havemos de percorrer muito caminho hoje.
Um dia



Um dia hei-de de dizer ou alguém há-de dizer-me a mim



"Will you give me yourself, will you come travel with me?

Shall we stick by each other as long as we live?"




E não se ouvirá nada mas a resposta será clara e estará contida na linguagem que medeia entre o sorriso e o olhar.



Aconteça, depois, sermos ou não eternidade, seremos, por certo - e só isso importa! - o caminho.

Sim, eu sei...





Sim, eu sei, há regras e há lógicas no Mundo. Sei muito bem o que há saber sobre regras (digamos que tenho contactos no mundo do Direito) e quanto à lógica, vou aprendendo por aí, nos livros e nas pessoas. Mas quem tem isso a ver/haver com o sonho e com a crença? Por que não havemos de acreditar que as regras se vão frustrar na sua aplicação e que a lógica se demoverá perante as evidências?



O que quero dizer é que não confundo a realidade com o sonho. Sim, sei do cinismo e da frieza das coisas mas também sei o que pode fazer o poder de acreditar e de lutar. E de sorrir. Sorrir muito. Estar sempre a sorrir, como uma linguagem total, como uma forma de falar e de amar. Como uma forma total de expressar um modo de ser.



O que vos quero dizer é que acredito. Acredito que as coisas podem ser como desejamos mesmo que, sobretudo se, tudo se mostre contra o que desejamos, contra o que acreditamos. Mesmo que a experiência nos mostre algo diferente, mesmo que as regras apontem nesse sentido, mesmo que as probabilidades sejam mínimas.



Eu gosto de apostar nas hipóteses mínimas. Gosto de estar do lado do vencidos à partida. Gosto lutar do lado dos supostos mais fracos. Gosto de pensar que as coisas não têm de ser como são. Só porque sempre foram assim. Não sou definitivamente um conservador... excepto de mim mesmo.



Talvez o que vos esteja a tentar dizer é que gosto que as coisas tenham regras e lógica. E gostei de estudá-las e compreendê-las, tão-só para perceber a sua mecânica e compreender como podemos equilibrar-nos no fio da navalha e gritar por algo diferente. Não temos de acomodar-nos. Gosto de perceber os sistemas para poder criticá-los. Todas as existências se destroem e recriam por dentro. A resistência ao exterior é sempre mais fácil.



Enfim, acho que o que vos tento dizer, é que não sei viver sem ser sobressaltado, e provavelmente infeliz, por pretender desafiar as regras e a lógica, a experiência e conseguir por uma vez, nem que seja por um segundo, estar no momento de algo diferente, algo à margem das regras e da lógica, que se cria no sentimento. No puro sentimento. Profundo. Percebido.



Well....I know what I mean anyway...

terça-feira, 7 de outubro de 2003

Let's talk about sex baby, Let's talk about you and me ou Se este post fosse um trabalho académico



Continuando a reflectir sobre alguns dos temas essenciais da minha busca pela límpida medida - os outros, os paradoxos, a diversidade, a transcendência - debruço-me agora sobre os profundos efeitos que o sexo pode ter.



Importa ler George Bataille n'O Erotismo, pois com ele iremos discutir:



"Os outros, na sexualidade, não deixam de oferecer uma possibilidade de continuidade, os outros não deixam de ameaçar, de introduzir um rasgão na túnica inconsútil da descontinuidade individual [...] De ambos os lados trata-se de um movimento que obriga a sair para fora de si (para fora da descontinuidade individual) [...] O par animal, no momento da conjugação, não é formado por dois seres descontínuos que se aproximam, que se unem por uma corrente de continuidade momentânea: não se pode, em rigor, falar de reunião, mas sim de dois indivíduos dominados pela violência, associados pelos reflexos ordenados da conexão sexual, que partilham um estado de crise em que um e outro estão fora de si"



Dois são os temas fundamentais aqui em presença.

O Outro e o efeito transcendental do sexo. Melhor, do erotismo.

O primeiro coloca-nos, de novo, e sempre, sobre o signo de Diónisos. Ele é, na bela formulação de Jean Delumeau, o Deus do Outro.



O Outro é, afinal, a nossa continuidade ou dependência, consoante sejamos, solitários ou temerários, respectivamente.

Curiosamente, os pápeis parecem inverter-se no acto sexual. O solitário vê no erotismo a sua última possibilidade de redenção e de superação. O momento em que irá deixar o conhecimento de si para atingir um outro estado de intimidade em que não existe apenas o Eu. Deseja o sexo como uma porta para a transcendência que só aquele Outro lhe pode proporcionar. O sexo é, nestes casos, verdadeiramente, uma perdição e ao mesmo tempo uma reunião. Não estamos muito longe do ser andrógino de Platão e, assim, das almas gémeas. Na verdade para os seres solitários de que venho falando só existem dois tipos de sexo: o simples acto físico, em que se mantém distantes (o que tantas vezes melhora fisicamente o acto) e aquele em que o espírito intervém, para se diluir no Outro. Estou a falar de uma sensação de envolvência do sexo que o transfigura por completo, pois sentimos que estamos a abraçar, a mover muito mais do que os corpos mas algo que não vislumbramos embora o consigamos sentir. Neste sentido o solitário encara o sexo como uma categoria mística, o momento final em que, pelo Outro e por si, acede a outro plano da existência.. O temerário mercê do seu percurso, mantém-se, para usar a expressão de Bataille, descontínuo. Apesar pode atingir altos picos sexuais e de o desejar, ao temerário escapará sempre a fusão com o Outro. O acto sexual pode consumar um profundo conhecimento de si, mas claro está, só porque o temerário está ainda em busca de si e não ainda do Outro. O temerário, num certo sentido, busca outros e não o Outro, que teme. Encontrará vários, no seu percurso, pois compreende melhor a sua linguagem que os solitários. Mas faltar-lhe-á a compreensão de si mesmo para transformar algo dele no Outro ou, simplesmente, reconhecê-lo ou aceitá-lo. E o sexo, por mais intenso que seja não atingirá a alteridade, não repercutirá algo que não existe: a continuidade dos dois seres
Os novos pornógrafos ou É a doer, É a partir!!! Oh Yeah!



No dia 30 de Julho, aqui na Busca... instava-vos a adoptarem como mote do Verão a música Slow Descent into Alcoholism dos New Pornographers, no álbum Mass Romantic. Confesso-vos agora que pouco ouvi esta canção por essas alturas. Estava demasiado em baixo para ouvir algo tão alegre (gosto pouco de contagiar o belo com a minha tristeza, felizmente rara). Pois bem, é tempo de dar de novo atenção aos novos pornógrafos. Esta banda patchwork, feita de músicos de várias bandas gravitando de Vancouver, assinam pela Matador com o fabuloso Electric Version.... que...acreditem é rock puro, parecendo saído dos anos 60! É fantástico como estes tipos conseguem fazer algo tão genuíno. E o truque - que não é truque - é o segredo de tudo o que é genuíno: esta malta está a divertir-se e a ser ela mesma. Assim, não soam a cópia, soam the real thing!. Enfim, um álbum para ouvir quando se quer energia pura e pouca reflexão...
O paradoxo



ontem tinha caracóis, hoje regressou o cabelo liso. Alguns dias da semana, dependendo também dos meses e dos afazeres profissionais ora a barba anda de dois ou três dias ora ando todo escanhoadinho. Tiro fato visto fato, as jeans coçadas, a t-shirt com 6 anos, a camisa violeta comprada com as amigas numa ida ao Porto, os ténis laranja e azuis para a mini-maratona (agora insubstituíveis), o regresso das belas khakis com as camisas claras, depois vem a bombazina e os pullovers junto ao corpo, ou as t-shirts mantém-se mas tiro o fiel blusão de cabedal do armário...eu sei lá. A diversidade de facto fascina-me. Há aqueles que querem ser diferentes dos outros. Eu quero, acima de tudo, ser diferente de mim.

segunda-feira, 6 de outubro de 2003

Mas as surpresas não param



Ando há que tempos à espera de poder confirmar se o álbum inaugural dos The Shins foi um rasgo de génio isolado ou, pelo contrário, o início de uma carreira brilhante.



Depois de Oh, Inverted World, de que, ao contrário de quase todos os conhecem o álbum, destaco Caring is Creepy (por mais razões do que uma...) cuja melodia e as letras conseguem amansar qualquer meu estado de ira, raiva ou pesar, instantaneamente. Um milagre.



Compreensível era, pois, que quisesse saber o que fariam estes rapazes de Albuquerque.

Eles aí estão com Chutes Too Narrow.



And they did it again! Com a primeira música do álbum, Kissing the lipless, aí está a grande energia que nos devolve ao mundo completamente energizado, aí está a letra estranha e a melodia à altura. Grande!



O resto é aquilo que entrevira no primeiro álbum: música sem presunção, daquela onde se percebe o prazer de compor, de cantar, de criar! Alegre, vivo e vibrante!





para a MP
Boa surpresa!



O novo álbum de Bright Eyes é fantástico. Muito bom.



O jovem Conner Oberst que me fez descobrir as fantásticas Azure Ray e que eu achava andar um pouco deprimido demais voltou com um álbum cheio de vida e alma e com um título esplendoroso:



Lifted or The story is in the soil, keep your ear to the ground.



Para ouvir e se fossível abraçar e beijar em silêncio alguém que se ame muito, como mais ninguém.



A canção n.º 7, Don't know when but the day will come... é de arrepiar. Foi nela que me inspirei para vos escrever o que podem ler acima. Para ouvir, inspirar e sorrir.



E na canção n.º 8, Nothing get crossed out, um dueto entre as meninas Maria Taylor e Orenda Fink (Azure Ray) e Conner Oberst: O humano cru entrelaça-se com a voz do sonho. Ficamos naquele lugar místico entre o humano e o divino e aí nos prometemos ser sempre mais e mais e mais mais !!!!!!!!

sábado, 4 de outubro de 2003

As relações solitárias e temerárias



As relações humanas íntimas podem olhar-se à luz das combinações possíveis entre solitários e temerários.



Assim, a relação entre dois solitários é em geral um relação entre duas pessoas independentes em que o emocional se conjuga num plano invisível e profundo, longe das percepções exteriores num mundo próprio em que tudo se funde e refunde. Aqui o espaço é fundamental, pois dois solitários estarão sempre em busca de saciar a fome do momento para oferecer ao Outro, o despontar da assimilação do mundo. Oferecendo-o, assim.



Um relação entre dois temerários é como um sonho. Declinam-se um sobre o outro e apoiam as suas ilusões nas imagens que têm um do outro. Há sempre muito de subentendido entre eles mas há também o perigo da auto-ilusão, uma vez que a imperfeição do auto-conhecimento acarreta alguma propensão para a auto-ilusão. É sobretudo uma relação que contribuirá, corra bem ou corra mal, para o auto-conhecimento e redunda o mais das vezes em amizade.



Finalmente a relação solitário/temerário é a mais difícil mas também a mais recompensadora. Difícil pois implica muita compreensão entre os dois caminhos que se entrecruzam e muito respeito pelo outro. Muita fé no que se está a viver, para conseguir olhar para além do dia-a-dia e ver algo de maravilhoso no dia que vem. Se isso é conseguido obtém-se uma paz que ambos procuram e que faz diluir a diferença entre solitário e temerário.

quinta-feira, 2 de outubro de 2003

Arquétipos



Evidentemente os solitários e os temerários de que falo são arquétipos, modelos-tipo, que, raramente, encontramos encarnados. Quase todos nós somos uma combinação dos dois, com, maior ou menor, propensão para um deles.
Ser solitário não implica ser auto-suficiente



Continuo na toada de alguns textos anteriores. Este é um tema sobre o qual venho tendo interesse em escrever. Acho que já maturou os anos suficiente e, finalmente, tenho algo de mais ou menos lapidado que posso partilhar. Por outro lado, acontecimentos recentes, fizeram-me dar um salto qualitativo muito grande em termos compreensivos. A mind expander if you will.



Talvez porque acho que o mundo é pleno de equívocos que não o são, sempre me fascinaram os paradoxos. Afinal, isso mesmo. Um paradoxo é uma contradição aparente. Sendo importante acrescentar que está na aparência a tónica do paradoxo. Por várias razões que se podem sintetizar numa só: muito do mundo está para além do que se vê. Não pretendo aqui convocar uma discussão clássica sobre o fenómeno e o númeno kantiano ou as ainda mais velhas discussões entre Parménides e Heraclito sobre a impermanência e a permanência do Ser. Mas a verdade é que o mundo sempre se revelou aos homens como muito mais do que aquilo que os sentidos apreendem. Ou apreendem logo.



Juntamente com a diversidade o não-aparente é, talvez, o tema que mais me fascina nesta existência a que vamos chamando vida. A combinação é, também ela, fascinante. A mim interessa-me o diverso e o não-aparente, mas, também e sobretudo, aquilo que é diverso sem ser aparente e por isso mesmo se permite ser combinado. O contrário de um paradoxo. Aqui há uma contradição exuberante que se demonstra depois não existir. Eu acrescente o inverso: um combinação improvável mas existente, explicada por uma diversidade, ela mesma paradoxal. Em esquema: paradoxo-diversidade-paradoxo. Ou seja, olhamos uma realidade e ela parece-nos impossível na sua diversidade - é aquilo que vulgarmente dizemos das pessoas e das coisas que não são compatíveis. Depois apercebemo-nos que a diversidade que as separa é ela mesma um paradoxo, assenta numa falácia e que portanto essa diversidade pode ser conjugada em existências partilhadas. Esta é uma das minhas fés no ser humano. Que toda a diversidade deve ser abraçada e, mais, pode ser combinada. Se conseguirmos olhar para lá do não-aparente. Neste sentido todo o paradoxo tem algo de profundamente analítico e racional ou místico. Racional pois só uma inteligência aguda e atenta pode descortinar os meandros da contradição aparente e devolver aos seus sentidos a verdade que se esconde por trás das sensações. E aí há uma importante sinestesia sensorial. Místico pois muitas vezes a forma que temos de passar para lá da contradição é acreditar na união que se esconde para além do aparente. Um passo de fé.



Acontece, pois, que muitas vezes associamos ou distinguimos realidades com base em contradições diagnosticadas que, na verdade, não existem. E que escondem paradoxos, que a ser resolvidos, demonstrariam nenhuma contradição ou associação haver.



Pense-se nisto. Algumas pessoas entendem que ser-se solitário implica a auto-suficiência. E, no entanto, tal não é verdadeiro para todos os casos.

O solitário não é, necessariamente, alguém que goste de estar sozinho, mas alguém que sabe estar sozinho. E isso faz toda a diferença do mundo, pois, por muito que também goste de se estar sozinho o simples facto de saber a solidão chama pelo Outro. Nenhuma solidão verdadeira é solitária. Eis o paradoxo.



Há dois tipos de solidão. Uma produz o solitário, outra produz o temerário e, nalguns casos, o louco.



A solidão é algo de profundamente necessário ao homem. É na solidão que ele se consegue ouvir, que consegue ponderar todas as sensações e emoções que recebe do mundo. A solidão, esse espaço invisível do pensamento e do sentimento é o núcleo da humanidade. Mas é apenas um núcleo, um germe, uma vagem. A solidão tende para a criação. E a criação é o florescimento no mundo, nos outros. No Outro, que se escolha para iniciar uma nova solidão: a solidão partilhada em que de novo se partirá para o mesmo processo e assim indefinidamente em filhos, amizades, amantes...



O solitário ele-mesmo abraçou a sua solidão, o seu espaço interior, tantas vezes caótico, repositório de traumas e realidades ocultadas da nossa percepção. É, pois, compreensível que muitos não se atrevam a encará-la e optem por se debruçar ao mundo primeiro. Diria que a ordem dos factores aqui é dispensável. Tanto bem quanto mal trará uma opção ou outra. O solitário tomou a primeira, mergulhou em si e na sua solidão. Tal não implica que se tenha tornado um eremita e fugido do mundo. Significa, isso sim, que optou por se refugiar em si, não como um egocêntrico que se projecta no mundo como seu eixo, mas como alguém que se estuda e se conhece. E muitas vezes tem, aliás, um ego desconhecido de si mesmo. O solitário habitua-se à solidão, vive com ela, parte dela para os outros. É ela que, aos poucos, o vai devolvendo ao mundo até se tornar um fluxo e refluxo com ele. Tornamo-nos, então, pulsantes de solidão e partilha, ora estamos sobre nós ora sobre o mundo, num equilíbrio em que um depende do outro. O solitário está bem em solidão mas não se basta com ela, pois, na verdade, a solidão é apenas um lugar, irreal e invisível, mas muito forte e presente, onde o solitário se reencontra e prepara os gestos do mundo.



O temerário, como está bom de ver, seguiu o percurso inverso. Temeu-se. Foi-lhe difícil ou insuportável deixar-se sozinho consigo mesmo. Não suportou as vozes e os pensamentos que lhe ocorreram e foi em busca de si ao mundo. Nesse aspecto sendo semelhante ao solitário. Mas o temerário vai em busca de si no mundo sem saber de si. Busca algo que não sabe e o eu que busca não se sabe também. Só a solidão o poderia ajudar mas eis o que mais teme. Pode perfeitamente viver-se assim durante muito tempo mas um dia terá de confrontar-se a solidão. O mesmo é dizer o eu. Pode não descobrir-se tudo. O solitário ele-mesmo nem sempre aí se descobre. Mas avança até ao limite. Aliás, o desejável é que a solidão nos devolva ou revele não o nosso eu (que espero maior) mas a vontade e a convicção de que, a partir de um certo momento, o resto de nós não se encontra na nossa solidão - em nós - mas no mundo. Seja no Outro, nos outros, numa causa, numa ideia. Ou mesmo em deus. O solitário que parece permanecer solitário na verdade projectou-se há muito no universal. O temerário não enfrenta bem o eu. A solidão confunde-o e provoca-lhe maus pensamentos. Por vezes diagnostica-se traidor de si mesmo, outras acha-se vazio e sem sentido. Começar daí a refazer-se soa-lhe impossível. Vai para o mundo e aí está a ilusão: todos achamos que os temerários não são solitários, precisam dos outros. Num certo sentido não deixa de ser verdade. O temerário precisa dos outros mas sobretudo porque precisa de si. Os outros permitem-lhe ser algo que não controlam totalmente, onde se podem apoiar e desculpar, onde podem construir-se divididos. Se os outros cedem ou não surgem, se o mundo prega partidas e obriga o temerário a confrontar-se consigo eis o terror. O temerário enlouquece. Pois nenhum louco está sozinho. O louco é, na verdade, o menos solitário dos humanos. O louco está sempre acompanhado de um mundo que cria e vê, tão irreal quanto real, onde o eu não se confronta antes actua. Eis que o círculo se fecha e o louco se aproxima, como alguns solitários, eles-mesmos, de deus.



Neste sentido o temerário não é auto-suficente mas isso não é necessariamente positivo pois faz dele um dependente no sentido de sujeição, mesmo que imperceptível. Tal enfraquece ou entorpece a alma. O solitário é, também neste sentido, auto-suficiente mas, justamente por isso, não o quer ser. Quer ser dependente, aqui, num sentido positivo, como partilha assumida, em que o solitário, por se conhecer e conhecer a solidão, traz para a dependência - chamemos-lhe partilha, união com o Outro - o conhecimento de si, o que quer e não quer: a segurança de si. Eis a base de toda a fusão humana.



O solitário ser auto-suficiente é neste sentido um não paradoxo, pois ele é, na verdade, o verdadeiro dependente: é-o por escolha sua e não por medo de si ou desconhecimento de si. Ele não está com os outros porque não tem mais possibilidades - horroriza-o estar sozinho - mas porque entre estar sozinho ou com alguém ele prefere estar partilhando-se. E isto tem, obviamente mais valor que a partilha entre temerários que na verdade se suportam de desmoronamentos próprios que a introspecção, o olhar profundo e crítico sobre si traria.



O solitário utiliza a solidão com que está confortável, onde se descobriu parcialmente, aos seus fundamentos, para se projectar nos outros, sem medos, antes com uma profunda vontade e necessidade de se continuar a encontrar no Outro e do Outro ser o encontro. Juntos os solitários são, na verdade, a morte da solidão. Os temerários, a solidão oculta e latente.



Felizmente há a possibilidade da diversidade, de que falei no início: solitários e temerários combinarem-se, os primeiros aprendendo a sensibilidade do mundo que os outros trazem e os segundos fortalecendo-se na familiariedade da solidão que os primeiros podem mostrar e ensinar.



Solitários e temerários de todo o mundo: uni-vos!

Lindíssimas nuvens sobre o céu de Lisboa



Estão a desfilar num cortejo cheio de silêncio e majestade, com a solenidade do Outubro começado e a promessa de tempos magníficos

quarta-feira, 1 de outubro de 2003

A quem possa interessar



Não sou um solitário.

Se olharem bem no fundo dos meus olhos e das minhas palavras verão isso mesmo.



E é porque conheço a solidão que tão profundamente preciso do Outro.