quinta-feira, 16 de outubro de 2003

Tenho de aprender



Tenho de aprender a desistir, a perder, a deixar ir, a sofrer. Para quê? Para que ser um ponto de luz no meio da parte negra da vida faça algum sentido. A clareza não é genuína se mora sempre num éter luminoso e protegido. Não estou a dizer nada de novo, o Siddharta só iniciou o caminho da iluminação depois de olhar os mendigos e os pedintes à porta do seu mundo rico e perfeito. Mas não estou a dizer que o único caminho é o de despojamento. Apenas que o temos de assimilar. Temos de ir passear ao lado negro da vida, morar lá um certo tempo e, sobretudo, viver das suas experiências. Só assim nos descobriremos, só assim compreenderemos se o que pensamos ser, o que sonhamos ser tem alguma aderência à realidade.

É que uma coisa é acharmo-nos do Bem ou do Mal, da Luz ou da Sombra, Isto ou Aquilo, outra coisa é sermo-lo realmente. E para o compreendermos é necessário mergulhar nas trevas com a convicção de que tudo o que aí precisamos é de continuar a ser um ponto de luz, ou seja, acreditarmos em nós e que estamos ali, não por ali pertencermos mas, porque o nosso percurso se enriquece por ali. Eis uma visão alternativa do Dark Side. É curioso que o inverso é muito comum. Há muita gente que sendo escura caminha pelo mundo da Luz não já por aí querer ficar e pertencer mas porque acha que o seu percurso por aí passa, mantendo-se, no entanto, fiéis a um certo azedume para com a Vida. Pois aqui trata-se do contrário. Aliás, as mitologias e as religiões estão repletas de viagens aos Infernos, de Hércules a Dante, em que a tentação é figura central mas em que, por fim, o viajante se depura e melhor compreende as dimensões várias do mundo e da vida. De si mesmo.



Como optimista e folgazão urge que viaje ao outro lado. Acho que já me reconheci o suficiente da Luz para poder agora - para precisar agora! - de aprender o Outro Lado. Ideias? Ter Alguém por perto, de preferência com o mesmo fascínio. O percurso ao Outro Lado da Vida nunca deve ser feito em solidão, mas na companhia do Outro de Nós.



Urge aprender para que nos possamos devolver ao que sabemos ser a nossa natureza, aí muito mais clara, forte e determinada.



Já fiz parte deste caminho mas por vezes sabe bem voltar, percorrer outros caminhos, para nos relembrarmos como são boas as coisas surpreendentes que nos sucedem. E como podemos aprender a descobrimo-nos nelas.

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