quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

The stalker in silk stockings



The stalker in silk stockings had a sensous voice. She said: be careful. I might be a stalker



I smiled patiently in disbelief (cheers Mark)



For we had met, silently and unseen, in the land of close and quiet hunting. In wordland all is stalking, for all is hidden.



Ideas, thoughts and feelings are always stalker material... as it should be.



But let us make this pact. If you are my stalker I promise to be you stoker.



I hope you are, I hope I can.
É isto



He's a shy man. Life has show him not to show off what is most precious to him



Life of Pi, Yann Martel



And I will add



And to show off - exactly - everything else



So it is.
Para além da Assunção



Mortífera



Habita, aí, a quimera e o sortilégio da Límpida Medida.



Uma assunção tão pura, tão férrea de fé, que fosse certa, não pudesse nunca estar errada. Pois não seria já assunção. Mas antes consciência. Tudo o que sentisse e pensasse seres, serias. E o mesmo contigo.



Mas isso pertence ao reino dos desejos puros, dos sonhos guardados. Do encontro prometido.



Seria isto...



"I celebrate myself;

And what I assume you shall assume;

For every atom belonging to me, as good belongs to you."




Walt Whitman in Leaves of Grass - The Song of myself.

Nossa Senhora da Assunção



Este texto deveria começar com a frase: "Odeio pessoas que assumem..." e tudo se desenvolveria daí. Mas começará de outro modo.



Convivi durante anos com uma pessoa que me criticava por usar a palavra "odeio...". Este exacto tempo verbal. Intenso. Forte. E simples. Acompanhado de algo que definia o meu...bem, o meu descontentamento, a minha ira, a minha raiva. Mas nunca ódio. Eis a questão.



Porque uso eu, então, o verbo de forma errada? Porque, como já aqui tenho desenvolvido repetidas vezes, as palavras fascinam-me. E aqueles que vivem com o fascínio/praga da palavra, saberão, tão bem quanto eu, que a palavra fascina por tudo mais do que o seu significado. Que, entretanto, se perde, molda, relativiza, dilui. A palavra torna-se um fim ela mesma. Eis o seu perigo. Aquele que vive fascinado pela palavra e na sombra da sua maldição sofre com isso mas pode causar também grande mal. É que perde a consciência emocional do significado da palavra. Como eu, com o ódio.



Trata-se de muito mais do que uma polissemia, uma riqueza lexical que ultrapassa o uso simplório da palavra, restrita a um ou pouquíssimos significados. Trata-se de criar com a palavra um significado. Não a referir a nada. Ela mesma conter o seu referente. Assim, digo odeio como sinónimo de intensidade momentânea, ou seja, com um significado que nada tem que ver com o designado pelo verbo odiar. Odeio, expressa a minha desaprovação clara por algo. E nada mais.



Já a minha atenta crítica temia a palavra "odeio..." e sempre que a dizia acrescentava que ela não odiava nada, pois o ódio era um sentimento horrível. E há-de ser verdade, suponho.´



As pessoas que mais temem e respeitam as palavras são as que melhor compreendem o seu significado.

E que mais o sentem.



Isso é claro. Ora, eu desconheço o que seja o ódio e com esta ressalva feita, partamos.



Odeio pessoas que assumem. Desaprovo-as claramente. Enfim, irritam-me um pouco. Nada há pior do que a assunção.



Mas atenção.



Nada há de pior do que a assunção errada. Voltamos a um tema recorrente no Límpida: a sagacidade. A capacidade de perceber instantaneamente a dinâmica equilibrada do Cosmos. Errado é assumir-se em domínios em que a assunção é perniciosa. Diria mais, quase todos os problemas actuais da humanidade se devem à assunção. A errada e precipitada assunção. E não me refiro a fomes, guerra e hecatombes. Refiro-me as discussões domésticas, às tensões profissionais, às quesílias fraternas, às discussões entre amigos. Assumiu-se demais. Assume-se por tudo e por nada.



Por mais enervante que fosse Descartes, conseguiu pôr a dúvida metódica no mapa. Duvidar, duvidar saudavelmente. Mais e muito importante. Duvidar sobretudo do que mais damos por adquirido. Assumido. Duvidar sempre.



Sócrates lhe deu essa ideia. Eis o homem de todas as dúvidas. O homem que duvidou de si até ao nada. O nada genésico da reconstrução. Perpétua. Sempre em dúvida.



Depois veio o Iluminismo - a Ascensão da Razão, a Assunção da Razão. Assumir tornou-se filosofia de ponta. Assumir cientificamente, claro está. E menos mal.



A assunção perigosa sempre existiu. É uma espécie de sede enlouquecedora do ser humano. A assunção para garantir o descanso do espírito, para calar as vozinhas interiores, para matar as dúvidas. Assumir, em força.



E assumir é perigoso pois mais não é do que atribuir a comportamentos, palavras e/ou ideias justificações ou motivações que ficam por provar. Assume-se que.... e todo o Inferno se abre. Ou, para os pagãos, toda a caixa de Pandora se escancha.



A tentação é fácil de explicar: 99% das nossas assunções estão invariavelmente correctas. Sobretudo se formos ser básicos.



Além disso há factores agravantes. A intuição apura a assunção. Para mais de um modo inexplicável. Sim, pois a maioria daqueles que assumem juram conseguir explicar porque assumiram.



A assunção é grave pois, além de substituir a comunicação entre as pessoas, por muito dolorosa e desafiante que possa ser, afasta os mundos. Assumimos com base nas nossas regras. Mesmo quando tomamos o outro como paradigma, é a nossa ideia do outro que usamos. E, assim, assumimos.



A assunção é uma consequência e uma arma da modernidade. Do aceleramento do tempo, da multiplicação de relacionamentos. As pessoas preferem não perder tempo a conhecer-se. Ou, pior e mais comum, assumindo que já se conhecem, não perdem tempo a perceber as mutações nos outros. E em si mesmas. Assumem que o que sabem de si mesmos e dos outros lhe basta, como uma espécie de cartilha imutável para a vida. Eis a fatalidade da assunção.



O mais interessante é que as causas da proliferação da assunção são justamente as mesmas que nos deveriam alertar, em definitivo, para os seus perigos. É justamente porque temos menos tempo e mais estímulos que a assunção nos deve ser estranha. Pois aumentam também as razões de justificação dos comportamentos dos outros. Ou seja, hoje, ao assumirmos algo estamos a excluir muito mais hipóteses do que anteriomente. Hoje para explicarmos um comportamente errático de um amigo, namorada, conjuge ou irmão temos muito mais variáveis em presença. E, no entanto, assumimos.



A assunção é, assim, muitas vezes confundida com o mal-entendido. Desenganem-se. O mal-entendido é um anjinho comparado com a assunção pura e dura. No mal-entendido a comunicação conheceu ruído, na assunção não há comunicação. Há o silêncio que medeia a reacção à assunção. Eis onde todo o Inferno, já solto, se multiplica.



Começa o enredo telenovelístico: porque é que fizeste isso? Porque pensei que tinhas dito aquilo por causa daquela outra coisa. Porque é que não perguntaste? Ora, vi-te daquela maneira, percebi logo que tinha sido por causa daquilo. Mas não foi, foi por causa daquela outra coisa. Como podia eu adivinhar? Porque não perguntaste? Agora eu é que tenho de perguntar? Sim, podias preocupar-te comigo. Falasses tu! Eu falo quando preciso, não tenho culpa que tenhas ficado com esses estigmas da família. O quê?! e tu toda contentinha pelos cantos por causa daquele...



E assim sucessivamente porque não se está a falar de nada. Já se assumiu tudo e entra-se numa conversa de puro e profundo autismo.



A assunção mata. Não há que duvidar. Mata emoções, sentimentos, relações, desejos, vontades. Mata ferozmente. Mata tudo. E pior, não se consegue muito bem provar que foi ela...



E, por tão pouco se poderia evitá-lo. Com apenas uma breve serenidade relembrar que não sabemos tudo, que nunca conhecemos ninguém assim tão bem, que mesmo que achemos que o fazemos há dias complicados. Que toda a realidade é diversidade. Mesmo, e sobretudo, na intimidade.



Essa capacidade de olhar para tudo e principalmente para o mais íntimo com renovado deslumbre - genuinidade chamo-lhe - é o antídoto da assunção. Pois esta mora nas dobras do hábito,do medo, da insegurança.



E mora, voltando ao início do texto e as assunções erradas, na crença. Eis a assunção certa. Eis a única possível. Eis onde a assunção é o que deve ser. Só podemos assumir o que não podemos saber. Eis um dos mais perfeitos paradoxos.



Eis a Nossa Senhora da Assunção. Repare-se no simbolismo. Deus recebe Maria, em corpo e alma, por ela ter crido Nele. Crido em quê? No milagre da geração por graça do Espírito Santo, após a Anunciação. Percebem o que estou a escrever...



A assunção é assim possível nos domínios onde nada mais é permitido. Onde a comunicação é impossível e, logo, despicienda. Assim vale assumir aquilo que está para além da comunicação, da dúvida, da partilha racional.



E um novo mundo pode, então, desvelar-se perante nós. Uma assunção que também pode ser partilha mas uma outra partilha, uma que não motiva reacção mas antes contemplação. Satisfação. Uma partilha com os outros que se basta em nós e que não nos condiciona em relação aos outros e ao mundo. Pois eis onde mora o maior perigo da assunção: levar-nos a fazermos dos outros meras construções pessoais completamente distintos do que são na verdade. E assim se perdem muitas profícuas relações. Muitas profundas partilhas.



Há apenas uma assunção benevolente, aquela de que falam os poetas. Esses que assumem, inequivocamente, a sua vontade de desfiguar o mundo, de cometer enganos, de tomar os significados do universos e moldá-los em novas formas. Só essa assunção, aceite, percebida, é justa. E boa.



Tudo o que resta é uma ilusão do mundo. Deixem-me ser cru. Um assassinar o Outro, pela sua desconsideração.

domingo, 18 de janeiro de 2004

Cat Paradox



O caminho tardou em tornar-se

passo (sabes?)

Principiou por ser encontro. Em silêncio.



A demora do tempo é sempre muda,

se escutamos o invisível.

Se não há forma de dar forma ao desejado.



Então, um passo. Lento.

Um escutar a mesma música. Pelos corredores dos palácios.

Olhar as mesmas danças. Pelos jardins perdidos.



Outros nomes.



Toda a extensão se desfaz em planos. Então.



Em vão nos podemos arredar da superfície

Permitida (sabes)

Possuída de sonho e de carne. Desenvoltos os dois em corpo.

Tu, outro nome do enigma da terra. Sendo água oculta.

Eu, um pedaço de fogo andarilho. Sendo ar e terra poisos breves.



Dentro do entre que somos

somos então o caminho.

Palavras sozinhas. Perfilhadas.

Tanto mais somos, assim, em palavras combinadas



Tanto em frente...



...dentro do entre...









sábado, 17 de janeiro de 2004

Sei para onde vou



Vou para um local que é simultaneamente modo.



O meu fim é o meu meio.



Tem um nome. Paixão.









Total, completa e infinita fome de vida e de morte. Luta nas costas dos dias. Dança nos arroios do sangue.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2004

The voice says...



I can make you feel alive, but would you like that?





The voice added...



You see, most people will immediately say they would. But once there, you wouldn't believe how many try hard to go back.





The truth is that not all people are up to living.... most of them just pretend the illusion.





Let them be, I said.
Estou farto, quero sair.



Onde se sai da Vida? Há-de haver coisa melhor.



Se calhar só estou a precisar de descansar. Ou de outra coisa qualquer



Ou não.



Se calhar estou mesmo farto disto tudo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2004

O sorriso



Acontece um dia que amar não encontra verbo. Amar deixa de ser amar. A palavra morre à boca de quem a profere por senti-la gasta, usada, por vezes moída. Distante.



Um dia ama-se o mundo de uma forma tão brutal, tão voraz, tão intensa e imensa que é evidente uma palavra não bastar para exprimir tal sentimento. É impronunciável.



Um dia percebo que, sinto algo para além das palavras, tão mais para além de qualquer significado possível das palavras. Algo que poderia ensejar explicar mas que destruiria o momento. E mais, o meu fruir o momento.



Nesse momento precisamos de fazer um pacto primordial com o que de mais primordial temos: a irracionalidade. Precisamos de perguntar ao nosso íntimo como havemos de designar o Infinito. O infinitamente belo, o infinitamente humano. Como se haverá de expressar aquilo que nos faz calar. Como se há de designar aquele momento silêncio de deslumbre pela normalidade. Pela humanidade. Por qualquer coisa simples que nos faz sentir.... sentir...algo que procuramos exprimir... eis o círculo da expressão do impossível.



E então, quando sinto essa insuportável carga sensível possuindo toda minha consciência, embrenhada em partes de mim que não vislumbro, sorrio.



Eis o sorriso. A resposta à minha pergunta interior. A minha forma de responder à carga, ao choque, ao confronto do Absoluto em mim. Sorrio. Sorrio sem pensar como. Deixo todo o meu corpo sorrir. Principiando no rosto, espalhando-se aos olhos. Eis como reajo ao colapso dos sentidos e do intelecto em pilha de confusão humana, pessoal. Imediata. Sorrio. Pois sinto o inexplicável, abraço-o. Aceito-o. E em mim o sorriso desenha-se. Assim o percebi como o arauto do que em mim compreende o Absoluto.



Sorrio para serenar em mim o universo. Para exalar o cheiro do mundo em mim. Para te dizer que está tudo bem.

Não te esquecerei nunca



Norberto Bobbio - 1909-2004



O mundo político - o terrível mundo político - sempre me fascinou. Mas cedo percebi que o meu interesse pela política seguia o curso dos meus restantes interesses: uma voracidade insaciável, redundando em infindável busca.



Explico.



Interessa-me o fenómeno político enquanto estudo da determinação dos fins comuns de uma comunidade e dos melhores meios para os atingir. Com esta noção de política associada à minha personalidade fui paulatinamente percebendo que, primo, nunca estaria completamente satisfeito com uma ideologia, pois estas têm uma natural tendência para se cristalizarem - estou a ser suave, deveria dizer, rigidificarem - negando assim toda a flexibilidade (sinal de inteligência) que devem, para mim, conter as relações humanas, maxime, as políticas. Mas o homem é também feito do seu mundo - tão aqui discutido - e por vezes contagia a política e o plural com as suas próprias inflexibilidades.



Parêntesis: nada há de pior que a impropriedade. Não saber o lugar das coisas. Subverter (e não estar preparado para as consequências) a lógica natural do Mundo. O Mundo castiga sempre. Tanto pior a falta, tanto pior a consequência. A 3ª lei de Newton explica...



Assim, onde a inflexibilidade deveria reinar - no íntimo, nuclear e individual de cada um - a honra, a ética, os princípios, ela soçobrou. Renascendo onde não pode e por isso se estranha, preverte, subverte e, finalmente, modificada, com uma aparência aceitável faz, subrepticiamente os seus estragos. Assim com a política.



As ideologias, os partidos. A imbecilidade.



Pior, o dogmatismo, a doutrina do tapa-olhos mais que qualquer outra.



E onde a flexibilidade, a capacidade de concertar aspirações e ideias deveria reinar, impera, assim, um básico e redutor vazio humano



Fecho parentêsis.



Secundum, o debate político que me interessa é um debate de ideias que o partidarismo implantado espartilha de um modo que é, para mim, absolutamente impossível. Interessa-me pensar sem quaisquer constrições e condicionalismos outros que as minhas próprias convicções. Mesmo que isso me eive de contradições, que deverei, depois, resolver. Ou não.



Coerência, sim. Mas aos meus próprios ideais, não a ideais que se absolutizem e autonomizem de preocupações práticas dos problemas reais da comunidade política.



Neste meu fascínio pelo pensamento político puro, como gosto de lhe chamar, distante da pequena política partidária que visa o poder, sem muitas vezes apresentar um projecto para esse poder (ou, ao contrário, que apresenta projectos para um poder que não pretende), fui guiado por um conjunto de pensadores que, tal como desejava para mim, não se deixavam encerrar por ideologias mas antes as procuravam usar para se melhorarem e ao seu pensamento político. Com que contribuiam, originalmente para a comunidade.



Eis Norberto Bobbio.



Um homem, acima de tudo, anti-fascista, simpatizante do socialismo mas pensador da política para além das meras ideologias. Sempre com os fins humanos como última motivação. Para ele, mais importante do que tomar decisões, por mais necessárias que sejam (e são), era pensar o conteúdo das decisões. De modo a garantir a correcta motivação das mesmas (uma verdadeira motivação Política) e não apenas uma motivação política(-partidária) de manutenção demagógica do poder. Ou de destruição demagógica do poder.



Foi sempre um pensador moderado, querendo com isto dizer que não perfilhou dogmatismos e exageros antes pretendendo sínteses e melhorias. Sinal disso mesmo é o título emblemático de uma sua obra: "Nem com Marx nem contra Marx". E no entanto, como notava um jornalista do El Mundo, não se deve confundir a sua moderação com indefinição. Bobbio sempre foi claro nas suas posições mesmo que tivesse de se esforçar por explicá-las com mais detalhe. Como se sabe é muito mais fácil expressar extremismos do que inteligência.



Mas de Bobbio, no que toca ao seu pensamento político destacaria o aspecto que mais me marcou. Aquele que um dia me deixou maravilhado com as suas palavras ao descobri-las como expressão pura e magnífica dos meus pensamentos trôpegos. Esse aspecto pode ser chamado de núcleo duro para uma matéria maleável. Bobbio sempre apoiou todo o seu pensamento política numa intransigente defesa dos princípios da justiça e da democracia e bem assim das liberdades fundamentais. Com isto por bandeira, discutia, depois, variadas soluções políticas, mesmo que com isso partilhasse ideias caras à esquerda e à direita. Bobbio, sendo, inequivocamente, de esquerda, era-o no seu sentido mais puro. De que a esquerda é, acima de tudo, igualdade, justiça e liberdade, assentes numa tolerância por quem tolera, permitindo-se assim o nascimento de um espaço para ulteriores consensos políticos e paras as decisões quotidianas.



Bobbio pretendeu que a democracia imperasse, com ela os seus princípios co-naturais, e daí surgisse o caminho. Escolhido pela comunidade política na posse inalienável dos seus direitos, fosse qual fosse a sua orientação.



Eis um homem que não se subordinou à mesquinhez mas apenas aos ditames do seu pensamento e das suas mais profundas convicções.





O homem que um dia se definiu assim:



"Dalla osservazione della irriducibilità delle credenze ultime ho tratto la più grande lezione della mia vita. Ho imparato a rispettare le idee altrui, ad arrestarmi davanti al segreto di ogni coscienza, a capire prima di discutere, a discutere prima di condannare."



Eis o homem que confessou, um dia, "detesto i fanatici con tutta l'anima".



Humano, profundamente. Isso mesmo converteu em pensamento político. Os humanos, e tudo o que é naturalmente humano, ao poder. Assegurado isso, a liberdade na escolha das formas (dizia brincando que assim se limitaria a direita e a esquerda).



A democracia, segundo Bobbio.







sábado, 10 de janeiro de 2004

Donne-moi ma chance
Let me tell you about desire



And lust.



Your body shakes. Your mind clouds. And you tremble.



All the world is in between. But you don't even care. For you there's only pleasure.... it is your master. As you are its master as you come. To the origins of feelings. And know. All is at the moment. As the desire becomes time and presence. And action. Reaction.



So is the desire to fulfill. So is the desire to come. The end of all time. To the essence and convergence of all that feels in you.



Of all that feels in you
Neste preciso momento



Apercebo-me que se não te tenho aqui, comigo, tudo o que tenho, tudo o que sou, são palavras. Nada mais.



É só isso que tenho. Palavras. Eis o que sou se não te tenho aqui, comigo, para as tornar desnecessárias. Para me mostrares que não preciso delas, que não são reais.



És tudo o que todas as palavras combinadas podem significar. Preciso de ti, comigo. Ou sou apenas palavras



Preciso de ti. Pois sem ti sou o vazio ilusório das palavras



Preciso de ti, não como uma necessidade mas como um desejo. De carne. De vontade. De algo de matéria que a terra contém. Tudo o que não são as palavras. Nem podem traduzir. Não se traduz o interior da terra. Como não se traduz o teu interior. E o que se estende para além dele. Que dele emana.



Preciso de ti. Para sentir. Para que as palavras não me traguem e eu me perca por elas.



Preciso de ti pois o teu calor, a tua voz, toda a tua presença - o teu olhar mesmo - são a verdade que todas as palavras podem conter. Eu sei-o. Pois já revirei todas as palavras do mundo em frases, períodos e parágrafos e sempre ficaram áquem de ti. Toda a expressão verbal possível é ainda a imperfeição da tua lonjura. Ausência. Quanto mais me percebo rodeado de palavras mais sinto a tua urgência. Pois elas são frias, vazias, pérfidas. E tu... tu és toda humana, real, sensível. És sensual. Sinto-te muito.



Preciso de ti comigo. Aqui.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2004

Só há uma maneira de amar



Tornar a vida e o amor palavras sinónimas. Indistintas.





Amar como uma fúria, um nascimento, um horizonte e um tempo. Presente. Sempre presente.











Essa palavra assassina, filha da razão



alguém o escreveu assim...



O que dista de nós ao outro é a palavra e o já dito que circunda a nossa mente. As vontades que s'encontram nos gestos e tremores, nas emoções reconhecidas, nos instintos convidados, esbarram forte na impotência da palavra. A sua pequenez mirra a vontade, tolhe todas as emoções e reduz - ou reconduz - os instintos a malvadez. E assim morrem sentimentos ou ficam sós sem respirar. Contidos brutos, em suspensão. Apodrecendo, enlouquecendo, escapando sempre em vão. É clara a crença como morte da palavra, só ela a ultrapassa e faz dela pouco ou nada. A crença sabe certos os encontros, que a palavra desconhece, da força que nos une e aos corpos acontece. Temos de matá-la, essa palavra assassina, filha da razão, que pensa os encontros da pele, os fascínios dos lábios para temê-los face à dor. Que sabem o corpos da dor? As sezões dos poros opostos? Não sabem nada, são só calor. E se a crença mata a palavra, esse filha da razão que fala ao outro, não haverá vozes, só arrepios e contactos de corpos que se querem.



Carlos da Maia
Palavra, essa filha da Razão...



Mantenho com as palavras uma relação de fascínio.

O fascínio, como se sabe, é neutro. Fascinamo-nos de Bem e de Mal, de igual modo, pois desconhecemos a natureza do objecto fascinante. O fascínio é isso mesmo: a incapacidade de objectivarmos um objecto. Todo ele é subjectivo. Escrito de outro modo, é nosso.

As palavras sempre exerceram sobre mim esse efeito. Desde que me lembro. Era incapaz de objectivar uma palavra. As palavras sempre me surgiram como minhas. Mas desenganem-se do modo simples. Não que um sapato fosse sempre o meu sapato. Ou a mulher sempre a minha mulher. Não. Não falo do objecto da palavra mas da palavra em si. A sua tradução, o seu significado, sempre me pareceram impossíveis. Assim, comecei por entender a linguagem impossível. Todas as palavras eram minhas, não tinha capacidade de as objectivar, de as entender como coisas em si, embora fosse capaz de entender que serviam para convocar nos outros objectos definidos. Dizia o "sapato vermelho que choraste" e as quatro palavras fascinavam-se. A sua combinação fascinava-me. Com elas eu era tudo. Podia multiplicar em mim as imagens de sapatos que os outros poderiam imaginar. E as suas combinações, pois o sapato era vermelhor. Mas de que tom? Vermelho mesmo ou carmim? Púrpura? Magenta? Para além disso, quem chorou? Porquê? Verdadeiramente não o queria saber. O que fascinava na palavra, como palavra que era, era a sua possibilidade. Sou como um cego pintando um quadro. Combino algo que não sei mas que sei que algo combinado será. As palavras permitiam-me isso. Uma combinação, louca tantas vezes - mas que importava? - de modos, de cheiros, de sentimentos. Plúrimos. Pois nada queria saber do espaço como cada um - os outros - iriam perceber as palavras. Claro que sei os truques do quotidiano. Esse lugar onde o fascínio da palavra se esbate. "O semáforo está vermelho" "então até logo às cinco" "são dois quilos de salmão" "o João está?". Sei que estas palavras são de todos. Fascinam-me em silêncio. Nas entrelinhas do meu sorriso que não desvendo, quando perverto no meu interior todas estas frases que preciso para me levar ao dia seguinte. O semáforo sangrento, as cinco garrafas de vinho que iremos provar, e três de gelado de amora...já agora, então se está deixe-o estar. Obrigado.

Por tudo isto um dia era inevitável que me lembrasse da razão, do que pensava dela e que se tornasse evidente o parentesco. Tinha dito, há muito tempo: a razão legimita tudo. Tinha cravado, sem saber como, este axioma por dentro da nuca, cantarolante, como cuco desacertado que apenas canta quando quer. Naquele momento acrescentou canto: a razão legitima tudo, a palavra significa tudo.

Aqui é o reino da palavra. Mas também lá fora. Para vos dizer algo são as palavras que me fazem acreditar num dos mais velhos lugares comuns, numa das maiores premissas da astrologia, num dos baluartes da teologia: todos os opostos emanam da mesma fonte. Digo, o amor e o ódio são o mesmo. Lembro Gibran, no Profeta, escrevendo algo como o Mal sendo o Bem consumido pela sua própria fome e sede. Eis o que importa. Odeio as palavras. Com elas, tal como com a razão, pode conseguir-se tudo. Tanto a razão como a palavra são amorais. Pior, carecem de uma ética. Quero dizer, não são finalistas.



O cheiro é finalista. Já aqui escrevi sobre ele. A íris é finalista. Em breve, de novo, escreverei sobre ela. Podem mesmo chegar a ser claras imposições. Evidências. Todas as evidências se impõem. É por isso que aqui escrevo, que aqui é o reino da palavra.



Lá fora - eis o paradoxo - estou cada vez mais cá dentro. Digo de novo, lá fora, no Mundo Exterior, estou cada vez mais cá dentro, no meu Mundo Interior. Lá fora as palavras são hoje por mim mais respeitadas: ligo-lhes menos. Voltei a dar-lhes o valor que devem ter: o de não pensar muito nelas. Ah!...com esta bem te enganei Razão! Daí Wittgenstein, lembrem-se....what can be said.... what can not be said we must pass over in silence. Nunca me canso de o repetir. Pois embora o cumpra lá fora, aqui não. Aqui busco a límpida medida e a busca não é clara. É qualquer coisa em movimento, que não se importa com o que é. As palavras, pois, são aqui cada vez mais as filhas da razão.



Mas a verdade é que também amo as palavras. Pois se elas são filhas da razão, que me perturba pela hegemonia que sempre quer ter de mim, por outro lado, as palavras permitem-me a variedade, a liberdade. Uso-as para ser mas não prendo os outros. Nem a mim. A minha frase sendo minha e dos outros, permite-se a traduzir o mundo à maneira de casa um. Nada há de mais belo que isso.



Este espaço é um bom exemplo. É a maneira de manter a razão fora da minha vida no Mundo Exterior, de que este ciberespaço faz parte como, mais do que um limbo, uma Terra de Verdade. Aqui a razão pode ter a ilusão - esperemos que não nos ouça - de que manda. De que o projecto iluminista continua na minha cabecinha a fazer sentido (não tenho remorsos: o racionalismo ganhou a toda a prova, a civilização ocidental tem todos os seus valores assentes na razão, não sentirão a minha falta). Mas não faz qualquer sentido. No meu mundo interior como no mundo exterior e no meu mundo convergente, o irracional manda. Vénia a Diónisos.



Este espaço surgiu como espaço duplo. Desde logo o parque da Razão. E depois o domínio, onde, de bom humor, concretizada, poderia melhor servir o meu (seu) propósito. Partilhar-me na linguagem que melhor se coaduna a este espaço: a palavra. A sua filha impera aqui.



Lá fora, como Cá dentro (refiro-me ao mundo interior não ao ciberespaço, não se percam) a intuição vive. Há os sentidos. Os olhares e os cheiros. Os toques. Há o sentimento do oculto que nos envolve. Há um horizonte mágico.



Aqui há tudo isso, pelas palavras. Para que se busque, também por este modo, chegar ao Mundo, ao meu mundo. Onde for.



Alonguei-me sem certezas de que tenha deixado explicado a relação de amor-ódio às palavras. Ao que elas têm de significante e significado. À forma como são nada pela ilusão que podem ser. E como são tudo pela liberdade que concedem. É um paradoxo e resolve-se assim: mantendo a liberdade e desiludindo a palavra, ou seja, dando-lhe certeza fora dela. Fora da razão.



Não há melhor exemplo que este. Tinha de ser este.



Digo-te, amo-te. Não te deixes enganar são só palavras. O seu sentido, sei que o sabes, não está nelas mesmas. Mas em tudo o resto. Eis onde temos de matar a ilusão. No som das palavras. Temos de aprender que elas podem querer dizer o que dizem mas que isso não depende delas. Eis a beleza e o horror das palavras. A dependência que abrem aos corações humanos, à sua maior sensibilidade às palavras. À possibilidade que tenho de dizer a alguém que amo sem o sentir mas - por Zeus - tê-lo dito! E alguém me poder dizer, chorando: "mas disseste que me amavas!"



Como posso dizer que te amo e não teres qualquer dúvida pois mal ouviste as palavras, buscaste o Resto.



Na verdade, matamos as palavras, essas filhas da razão, quando as aceitamos na irracionalidade.

Na verdade, soubeste (ou sonho com a mulher que saiba) que te amo quando te disse;



"Olha bem este mar"



E coloquei o braço à tua volta. São só palavras. E eu estava a dizer que te amo.



É só um exemplo. As palavras desfazem-se assim. Abre-se um mundo louco de possibilidades. Frases que servem para uma coisa podem significar outra. Eis o mundo onde vivo. Embora tenha também de viver Aí Fora.



Eis porque temos de matar uma certa Palavra, aquela que é filha da Razão. Eis porque a temos de salvar.



quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

Pur Pli



I'm glad you are a girl

I'm pleased to know you

I like you for you

I'm happy you're growing up



Reach and you won't lose me

Destroy the objective, but still sur- vur- vive

You are angry and that's okay



Forgetful or pretending

Tired, ill, or angry, or cold

More assured of what to do

But I do care for you (what a beautiful gift for me ? )



Reach and you (rejection? ) won't lose me

Destroy the objective, but still survive

You are angry and that's okay ... yes

I am not afraid of your anger

What do you need? what do you want?

I love you and I know that you can figure it out




Pur, Cocteau Twins in Four Calendar Café





estava a ouvi-la agora...

segunda-feira, 5 de janeiro de 2004

Eis o sonho



Os últimos diálogos com a Figment fizeram-me ir buscar isto ao baú.





You speak my language - Morphine



All around the world everywhere I go

No one understands me no one knows

What I'm trying to say

Everywhere I go no one understands me

They look at me when I talk to them

And they scratch their head

They go what's he trying to say

But you you speak my language

Yea yes

All around the world everywhere I go

No one understands me no one knows

What I'm trying to say

Even in my home town

My friends make me write it down

They look at me when I talk to them

And they shrug their shoulders

They go what's he talking about

But you you speak my language

Yes

Kabrula kaysay Brula Amal amala senda Kumahn Brendhaa (x2)

Kabrula kaysay Brula Amal amala senda (x2) Kumahn Brendhaa (x2) Brendhaa Yea you you speak my language

You you speak my language

Yea yes

Kabrula kaysay Brula Amal amala senda Kumahn Brendhaa

Kumahn Brendhaa

Kabrula kaysay Brula Amal amala senda Kumahn Brendhaa

Brendhaa

Kumahn Brendhaa

Oh

Brendhaa oh ha ha ha

You speak my language

Yea you speak my language

Yes






É isto mesmo. E que magnífica canção. E álbum.
"O meu mundo é uno, os códigos são os mesmos, e construo as minhas pontes da mesma forma. Sendo assim, o meu Eu dá-se da mesma forma, e nesta perspectiva o par é mais viável. O outro longe magoa."



Figment




Da sagacidade do Mundo e da sua unicidade ou Eros e nada mais



Da capacidade, gosto de lhe chamar arte, de conseguirmos sintetizar em Mundo o mundo interior e exterior já aqui escrevi várias vezes.

Expliquei-me mal ou insuficientemente, o que é o mesmo. Também o meu Mundo é uno. Ou seria um dos tocados por uma esquizofrenia ou autismo de que falei anteriormente. Correctamente deveria afirmar que o meu Mundo é triplo. O mundo interior e exterior e o Mundo enquanto espaço de cruzamento dos dois. A sua síntese.

Mas daí a dizer que os códigos são os mesmo e que se constroem as pontes da mesma forma... Ou estamos perante um optimismo maravilhoso ou perante uma inocência desmesurada (agrada-me o pensamento de ambas). Se bem te entendo, com isso pretendes explicar que o teu Mundo, síntese de Interior e Exterior, é uno, assim, de linguagem e relações. Falarias com os outros uma língua semelhante à que utilizas nos teus diálogos interiores e as tuas relações seriam iguais às relações que manténs com as peças de ti. Figment, se te compreendo bem, então deixa-me dizer-te que não poderíamos estar mais de acordo. É que justamente é isso em que creio. Que devemos dar-nos ao Mundo, vindos de Nós, sem traduções ou concessões. Apresentarmo-nos como somos (eis onde habita o momento anterior da viagem interior - da Liberdade) e o resto que se dane! Eis, também onde de novo nos aproximamos. No entendimento das consequências desta vontade de afirmação da unicidade em Nós, do Mundo. Nosso. Isto porque estou contigo quando acreditas que é o Outro e não os outros que estão mais aptos a percebermo-nos como desejamos. Ou seja, sem cesuras nem quebras. Sem fracturas. O Outro, mediando Amor, viverá a síntese. Do Outro, teremos a experiência que temos também para nós: que somos apenas Mundo, sem noção da distinção do Mundo Interior e Exterior. Seremos unos para nós, o que já de si é missão complicada mas - Suprema Felicidade - seremos unos para um Outro de Nós. Eis o que busco há anos...



Mas com os outros tal não acontece. Essa utilização dos mesmo códigos, a construção das mesmas pontes esbarra na fria consciência de que a linguagem que utilizamos para nós nem sempre é compreendida pelos outros. Nem sempre as pontes se constroem da mesma forma como o fazemos interiormente. Eis a dura realidade. E a cisão, mesmo que a quisessemos ter negado (e não é o meu caso) torna-se evidente. Então temos três hipóteses. Vencem os outros, indistintos, Mundo Exterior e tornamo-nos uns Loucos da Normalidade (sim, Arno Gruen de novo) ou vence o Solitário de Nós, a exclusividade do Mundo Interior, que associo à tua ideia de dificuldades, dor, lado mau pois gera, invariavelmente, a reacção brutal do Mundo Exterior. Sem o qual muito dificilmente poderemos viver.

Mas há uma terceira via (felizmente não a do Giddens, um pouco mais Hegeliana ou Wittgensteiniana. Ou Atlante). Podemos tornar o Mundo um oásis destas duas prévias visões. Podemos em vez de buscar refúgio no mundo interior ou subordinarmo-nos ao exterior, adoptar um Mundo. Uno. Podemos, pelo menos, tentar. Simplesmente não sejamos demasiado idealistas ou optimistas, correndo o risco de nos iludirmos. Esse Mundo, uno, sempre terá portas comunicantes com os outros dois. Nesse mundo estaremos e o Outro, se o encontrarmos e os outros. Mas usando de códigos e através de pontes muitos distintas.



Idealmente a Babel não deveria existir. Cada um de nós não deveria nunca conhecer a angústia de perceber que o que é nem sempre coincide com o que É. Deveríamos poder ser, próprios, e ainda assim conhecermos os Outros completamente. Uma espécie de tradução simultânea em que cada um não transigisse ou comprometesse por um momento a sua língua para se fazer entender e, no entanto, todos se compreendessem. Mas olhemos à nossa volta. Tal parece ser impossível. E cada vez mais.



Por isso comecei por um pedido de Liberdade e afirmei que depois da viagem interior se pode regressar onde se estava e desistir de tentar ser Mundo Uno. Era, pelo menos, isso que queria dizer. Esclareço-o melhor agora.



Começo por aí pois a Liberdade de que venho escrevendo é uma questão prévia em relação à Linguagem do Mundo. É a questão prévia. Sem essa liberdade a unicidade do mundo de que falas seria falsa pois não seria uma construção mas uma inconsciência. Logo falsidade. E é contra isso que estou. Mas se o teu Mundo Uno, tal como o meu, for o resultado de uma construção, para mais feita após a viagem interior, penso que nos tornamos algo maior e melhor. Para nós mesmo e para o Outro e outros.



Sendo assim repito-o contigo: o par é mais viável. Pelos Deuses, como é mais viável!



E quanto ao outro longe magoar.... oh...don't get me started...







P.S. - no fim do percurso místico (e mesmo durante) há um indeterminado vazio. Mas não fui explícito e peço desculpa (a linguagem mística é por vezes oculta...ok, piadinha): o vazio pode chamar-se divindade. E este é o paradoxo mais simples e maravilhoso que pode haver.



Será tema para outro post mas quando se ama como eu (querendo significar uma totalidade) ou se subsitui a Vida pelo Amor, como uma alquimia impossível ou se buscam os deuses para preencher o imenso vazio (querendo significar o Absoluto). Aí está a explicação do paradoxo. Só a divindade é Amor Puro. Ou um Amor Puro em forma de Outro. O Outro é sempre um pouco de Cosmos.
O Presente



Gosto de ti, digo-te. Amo-te, digo-te.



Nunca te direi, Vou amar-te para sempre; Aconteça o que acontecer estaremos sempre juntos; Tu e eu somos para Sempre. E tantas outras variações.



Dir-te-ei muitas vezes tudo isto que agora neguei. Na verdade muitas vezes te disse e mais te direi que Somos para sempre; Que quero ficar contigo a Eternidade e Um dia.



Paradoxo: estou na verdade a dizer-te uma e a mesma coisa. E nenhuma hipocrisia há aqui.



A eternidade, o Sempre (tal como o Nunca) nada mais é do que uma vontade. O que te estou a tentar dizer é que apenas o Presente existe.



Digo-te gosto de ti. Digo-te amo-te. Agora. Só agora conta. Prefiro as palavras simples, se te soubesse completamente dentro de mim - ainda não me livrei de toda a insegurança (ainda bem) - sorrir-te-ia apenas. Seria o mesmo. O meu sorriso é a suprema forma de dizer que te amo. O dizer que te amo é a suprema forma de te sorrir.



Será sempre agora. Eis o paradoxo. Se te prometo, se desejo o Para Sempre é verdade. Sou genuíno. No momento em que o faço sabe que o meu para Sempre existe. Consome-se naquele momento toda a minha vontade de perpetuar o exacto instante em que te sinto Amor.



O que estou a tentar dizer-te é que o meu maior desejo ou sonho, como queiras, é ser singelo.

É poder olhar-se e sorrir-te e saberes-me todo. E, na sua impossibilidade, por reticência minha, dizer que te amo. Sem mais. Agora. Que é sempre.



Olho-te nos olhos ou olho-te no meu horizonte, se comigo não estás, e pronuncio o Presente Amo-te. E só isso importa. Pois se esses momentos perpetuamente se reproduzirem então o Sempre de vontade e caminho se fará em existência. Em vez de apenas ideal.



Não há amanhã para Amar-te. Amar não tem Futuro. Só se conjuga no Presente. Amo-te hoje. Mas se amanhã houver então que se aPresente. E continuamente te amo.



Gosto de ti.

Se me amas sei que perceberás.
De gostar de ti até amar-te



Há manias que se tornam símbolos. Há símbolos que se tornam manias. Estudo (e talvez viva) a loucura há tempo suficiente para saber que a loucura é totalmente simbólica. Uma mania é em si mesmo a geração de uma linguagem simbólica. Pois uma mania é uma dispersão e como tal só poderá exprimir-se através de algo que seja vário.

Por outro lado, há símbolos, enquanto multiplicidade possível de objectos, que se tornam uma evocação de um significado próprio. Assim tornam-se ainda mais símbolos e transformam-se em mania. Em obsessão de expressão, como se a expressão fosse a própria identidade.



Disse a muito poucas pessoas que as amava. Aliás, tenho para mim uma divisão clara no meu horizonte. O amor aos pais, enquanto amor imemorial, incontrolável e ideal. Amo-os porque são os meus pais. Tão simples quanto isso.

O amor aos meus amigos. Entenda-se para mim a amizade é uma categoria. Olho-a como uma casta, um clube restrito, um mistério oculto. Os meus amigos são os iniciados na religião de Mim. Muito difícil de entrar, quase impossível de sair. Se pronuncio a frase "amo-te" em relação a um potencial amigo, então deixou já de ser potencial. Olhei para trás, reconheci-o como amigo e proferi a Frase. É a que pronuncio mais facilmente pois tenho amigos desde há muito, vários e por múltiplas razões, boas e más, importa por vezes exprimir em intensidade e infinitude o sentimento que nos liga e orienta. Amo-te.



Resta o amor romântico ou erótico. Ou, como gosto de lhe chamar o Amor. Aquele que escapa à derivação do sangue mas que se propaga noutros corpos. Aquele que combina traços dos pais e amigos, sendo algo distinto. Precioso por raro. Precioso por intenso e poderoso.



Senti-lo em relação a alguém é já de si entusiasmante pois implica, falo por mim, um estado de clareza, de límpida medida, muito difícil de atingir.



É algo que se ancora de olhares mas que é espiral, aura, auréola em torno dos corpos. Como se os corpos deixassem de ser o que a existência tem de visível e nos vissemos realmente como humanidade que somos. Algo que transcenda os sentidos e se propaga imaterial. Não sei se, nesse momento ou com este sentimento não seremos divindades. Sei que tudo começa no olhar. Something in the eyes. E daí ao dia em que teremos a certeza do Amor, pode ser um momento ou uma eternidade mas sabemos que acontecerá. E o mais doce e terrível paradoxo toma lugar. Esperamos pela certeza do Amor mas essa espera é em si mesma o Amor. Again, it's something in the eyes, all the rest is silence or casual words. It will not matter. For the eyes have spoken. They know more than we do. The iris speaks our true language.



Ficamos enlevados pelo que ela nos diz, que é incompreensível na sua totalidade, logo o paradoxo, pois apenas a sensação nos basta e confirmar o Amor torna-se tão urgente e desesperante como desnecessário e supérfluo. Subitamente, num momento, a Íris falou. Os olhos falaram e o Amor surgiu. Esse, que é verdadeiro, consome a existência de um modo nem sempre bem explicado: substitui-se pela Vida. Torna-se desnecessário viver.



Viver, antes de mais o quotidiano. Perguntar a um Enamorado como pretende o seu Amor é querer ouvir silência, ver um sorriso e um encolher de ombros. Ele não entende. Isso é linguagem de vida. Ao Enamorado pouco importa o casamento ou o divórcio, as compras ou os impostos, a vida em conjunto, os filhos por ter. O Enamorado ama. Pode, aliás, nem estar com o seu Amor. Tem-no. E, a partir desse momento, toda a sua vida será a descoberta das formas de Amar. Tornar o Nome um Verbo. Acção. Tempo e Espaço. Talvez consiga regressar à Vida. Mas não se iludam será apenas algo que se assemelha à Vida. Poderá continuar o seu quotidiano. Ir trabalhar, depois para casa. Um passeio de vez em quando. Cinema. Conversas. Um jantar. As compras. Limpezas. Mas tudo isso será Amor. Tudo isso existirá para ele, Enamorado, como algo que colora e compõe a substância do Amor, o conteúdo do Amor. Sempre a sua Ideia, o seu Corpo, o seu Rosto o acompanharão. Ele Ama.



Esta revelação em mim contagiou as palavras. Paradoxalmente, pois as palavras são as filhas da razão e eu mantenho uma relação conturbada com a razão. Talvez por isso a Frase que no meu entender, no meu pensar, exprima o Fim da razão, seja tão preciosa. Seja uma mania e um símbolo.



Se de fins falamos comecemos pelo fim. Um símbolo pois pronunciar "amo-te" torna-se um sinónimo de sorrir. Será tema para outro texto mas para mim sorrir é a condensação máxima da humanidade. Se queres exprimir num gesto, num instante o impossível, o improvável mas o importante, o necessário, o urgente - o Amor - sorri. Ou, como estou explicando, diz Amo. Te.

Certo é que não é tão poderoso e infinito como um sorriso mas é igualmente forte. Expecialmente se o tornarmos uma mania. Se pronunciar "amo-te" se tornar uma raridade por obessão. Ou melhor dizendo, se só o disse a quem realmente amo. Se não amo, digo gosto de ti.



Pensamento imediato: Oh que horror será para as pessoas que estiverem contigo não ouvirem essas palavrinhas, que tanto prazer dariam não fosse essa estúpida mania de guardá-las para algo que se calhar nem existe. Tudo verdades. Pode fazer-se alguém feliz dizendo-lhe que se a ama. E o verdadeiro amor pode nem existir (afinal falamos dele à milénios e nunca o demonstrámos - um pouco como Deus). Mas se as palavras são assim tão utilitárias, se as devemos orientar para um fim e usá-las como um meio então por que não usar outras e deixarem-me com esta pequena excentricidade? Porque não posso dizer gosto de ti para fazer os outros felizes e salvaguardar o amo-te para o meu abraço das íris? Para o meu Amor?



Esta é a minha mania e o meu símbolo.



O "gosto de ti" complementa e prolonga este modo de ser. Gosto de ti, digo-te, é o valor que te dou. Se um dia te disser que te amo saberás que algo é diferente, mesmo que nunca tenhas compreendido a importância do "gosto de ti" pronunciado ou do "amo-te" até esse momento de ti.

Por outro lado pronuncio o gosto de ti numa outra ocasião excepcional: quando o meu Amor se magoou. Então envolvo-o em Tudo, pais, amigos e ele mesmo e ao meu Amor, que o deverá perceber, digo: gosto de ti.

domingo, 4 de janeiro de 2004

Sou eu que agradeço



Obrigado
"Quando nos conhecemos e nos tornamos diferentes por isso, livres, temos mais dificuldade em ser aceites pelos outros que não esse mesmo que nos quer"



Figment




Somos livres sozinhos



Chegamos ao ponto fulcral do nosso diálogo. A tua premissa é a de que o auto-conhecimento nos torna diferentes e, por isso, livres. Mas na verdade o auto-conhecimento, embora nos liberte, não nos torna diferentes. Apenas permite que nos reconheçamos próprios. O conceito de diferença é um conceito de relação. Ora o caminho de viagem interior que proponho implica a exclusão de toda a relação. É um caminho solitário para que possamos estar, e logo ser, livres de qualquer constrangimento. Bom ou mau.

É só no regresso ao mundo exterior que nos poderemos reconhecer diferentes de cada pessoa que nos surja. Mas esta liberdade é activa. Mais. É pró-activa. Pretende conseguir algo, pretende ser um meio para prosseguirmos desejos, vontades, sonhos, paixões. Se com isso conseguirmos ou quisermos ser aceites melhor. Mas terás de me explicar porque pensas que teremos mais dificuldades em ser aceites.



Estarás a assumir que a liberdade serve o binómio aceitar/ser aceite quando isso é uma visão que suspeito, mais do que empírica, vivida? Ora a liberdade deve apenas servir o nosso próximo intento, querendo com isto significar que a liberdade serve o desconhecido que somos. Desconhecido que a cada momento se actualiza em existência.



A aceitação e a rejeição de que falas convocam um outro tema. Para além disso associas rejeição a um lado mau. A um teu lado mau.

Se prolongasse o meu pensamento para essa tua temática diria que a rejeição é, o mais das vezes, uma decorrência, não de um lado mau, mas de uma ausência. De sentimento, espero. De muitas outras coisas, infelizmente. Não rejeitamos porque somos maus. Ou aceitamos porque somos bons. Aceitamos porque ao fazermos o nosso percurso interior compreendemos e, desejavelmente, passamos a respeitar o percurso que reconhecemos (ou podemos reconhecer) nos outros. Mesmo que seja distinto do nosso. E rejeitamo-las exactamente por isso: porque muitas vezes o seu percurso é distinto do nosso. Seja ele um percurso sentimental, social, formal, material ou qualquer outro. Mas isso é já outra história...

"Concordo em absoluto quando dizes que a liberdade que desejas é (deve ser) aquela em que o mundo interior submete o exterior, sem no entanto o excluir. Isso sim é a liberdade, estou mais do que de acordo. Mas tu consegue-la? És tu capaz de a ter em todas as tuas relações sociais? És aceite assim mesmo? Consegues aceitar uma grande quantidade de pessoas, pessoas que não te digam muito, pessoas normais? Ou ela é reservada apenas para dois ou três seres mais íntimos de ti, que aceitaram também dar-te eles mesmos essa tua liberdade?"



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A liberdade és tu



Antes de mais a liberdade tem de ser para mim. Por isso, num primeiro momento a frase "És tu capaz de a ter em todas as relações sociais?" não faz, para mim, qualquer sentido. Do que escrevo é de uma libertação das relações sociais. Ser capaz de ser livre enquanto ser solitário e só então, consciente de si, dar um passo no mundo. Sendo este o cenário ideal pois o mais comum é ser necessário fazer os percursos em paralelo, correndo-se o risco das duplas personalidades, esquizofrenias, depressões e patologias psíquicas em geral. Além do autismo puro.

O meu mundo interior dita-me as decisões principais na minha vida, nesse sentido sou livre. Não tanto quanto gostaria pois ainda não resolvi alguns aspectos, como a completa autonomia físico-material. Penso que nunca o conseguirei, a não ser que fique rico milagrosamente. Ou seja, preciso de interagir com o mundo exterior e, assim, num certo sentido, de me subordinar a ele, para conseguir surprir as minhas necessidades básicas. Mas em tudo o resto sou livre pois determino-me com base no meu mundo. E, sobretudo, estou permanentemente atento às impressões e comandos do mundo exterior. É neste sentido que me referia num destes últimos posts em aprender a iludir a sociedade. Em dar algo ao mundo sem contudo nos darmos. A minha subordinação ao mundo exterior é confinada ao estritamente necessário para sobreviver materialmente e, ainda assim, de um modo simples. A partir daí pretendo que seja o meu mundo interior a determinar-me no mundo exterior. Para isso tenho todos os dias de lutar contra as imposições, mais subtis ou mais óbvias que este lança contra mim, contra a imagem que tenho de mim. Para poder filtrá-las e torná-las, por caminhos vários o meu mundo. E não um peso ou, pior, uma instrução. Exactamente por isso, e já aqui falei da diferença entre compreender e aceitar, estou disponível, nos termos da minha liberdade, para aceitar tudo e todos aqueles com quem partilhe um mínimo de regras de convivência. Tudo o resto é o seu espaço de conformação do mundo exterior ao mundo interior.



Onde de todo não te acompanho é na tua última frase



"Ou ela é reservada apenas para dois ou três seres mais íntimos de ti, que aceitaram também dar-te eles mesmo essa tua liberdade?"



Não são os outros que me dão a minha liberdade. Sou eu que sou livre ou me deixo aprisionar. Se os outros tiverem o poder de me dar a liberdade isso significa desde logo que não sou livre. E tal é para mim inaceitável.



Escreves sobre uma graduação da intimidade como forma de operar a liberdade. No entanto, a liberdade de que aqui venho escrevendo é alheia a essa concepção. O que a liberdade, no sentido que venho apresentando, permite é um auto-conhecimento que pode ser utilizado para o que quiseres. Que te pode permitir-te dares-te a duzentas pessoas ou apenas a duas. Que te pode permitir aceitar o que quiseres mas consciente das razões por que o fazes e não manipulada pelas tuas próprias auto-ilusões, que nem sequer seriam tuas mas induzidas por uma espécie de consciente colectivo (é realmente consciente colectivo, não é gralha).



A mim preocupa-me muito as formas como as pessoas se podem auto-iludir de mundo exterior numa clara reacção ao medo, consciente ou inconsciente, que têm em enfrentar os seus próprios medos. O que é o mesmo que dizer, em enfrentar as zonas mais obscuras de si. Pois o medo nada mais é que uma ausência de claridade.

"Ser aceite pelo bom e pelo mau traz normalmente uma culpa social que não permite a continuidade de uma relação, a não ser que ela seja intima, a dois, querida pelos dois...e muitas vezes nem assim."



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O bom e o mau



A referência ao bom e ao mau convoca uma discussão distinta. A viagem pelo mundo interior não implica uma necessária bipolarização entre o bom e o mau. No limite aceito que uma pessoa totalmente boa possa ainda assim não ser aceite, pela incompreensão que encontre nos outros. E isso é o que me assusta mais. Que uma pessoa não seja sequer (re)conhecida, independentemente de uma posterior aceitação ou rejeição de tudo o que de bom e mau tenha. Eis o problema.



Ser livre é, antes de mais, tomar tempo a aprender sobre nós para que o possamos ensinar aos outros. Para que possamos explicar a nossa linguagem e a nossa cultura e possamos assim tornar a sua viagem até nós menos assustadora. Muitas vezes falhamos rotundamente em ensinar aos outros como chegar até nós. Nesses casos estamos invariavelmente condenados a falhar também no caminho para eles. Embora isso só se torne evidente ao cabo de muito tempo. As ilusões reinam neste domínio. É facil, de modo inadvertido, pensarmos que somos íntimos de alguém: basta desejá-lo e o outro assumir também esse desejo. Mas não confundamos desejo com realidade.





Mas, passe o paradoxo, não há nada de mais belo e que deseje mais do que, mesmo tendo dificuldades ou falhando na explicação do caminho para mim, da minha linguagem íntima, alguém em mim insista e persista. Como a uma criança com dificuldades em expressar-se. Alguém que acredite em mim. Que acredite que eu valho a pena, mesmo com as pontes por construir. Mais. Que não se sabe se poderão ser construídas. Mas isso já é o meu romantismo místico-lamechas a falar...





"Na maioria das vezes não gostamos que nos encontrem aquilo que nós nunca tivemos coragem de procurar, que nos olhem e saibam aquilo que sabemos mas não queremos ser, não queremos ser. Aceitar uma pessoa pelo que ela é, é tão difícil para o outro, mais do que para quem aceita."



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Não podia concordar mais. Tanto que por vezes somos nós mesmo a encontrar falsas razões para o outro não nos aceitar ou a ver nele censuras e incompreensões onde só aceitação e crença existe.
"Se tu reparares bem ao teu redor, quantas pessoas conheces tu que enveredem por essa viagem interior? Com quantas podes tu partilhar uma viagem assim? Daquilo que tenho experiência, e pouca obviamente, constato que as pessoas que realmente se conhecem a si mesmas e obtêm essa liberdade são muito mal aceites socialmente."



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As dificuldades da viagem interior



A perspectiva que adoptas é exactamente contrária àquela que utilizo. Mas tens absoluta razão.

Quando penso na viagem pelo mundo interior rumo ao regresso ao mundo exterior parto sempre de uma premissa fundamental: a necessidade do mundo interior e a sua prevalência. Isso mesmo tentei sublinhar em alguns dos últimos posts. Com isso, no entanto, deixei nas entrelinhas o preço a pagar. Que agora referes.



A viagem pelo mundo interior não só não garante qualquer recompensa no mundo exterior como pode mesmo provocar fracturas, cisões e todo o tipo de problemas. Tudo variará consoante a relação entre os dois mundos. Aqui é preciso acrescentar algo mais. Algo que não referi nos textos interiores. Algo que motiva, secretamente, o meu desejo de liberdade para os outros. Para ti.



Como chamar-lhe? Provação, tentação, sacríficio? Palavras demasiadamente conotadas com a religião, sobretudo a cristã. Também demasiadamente conotadas com a minha vida íntima pois de duas das pessoas que mais amo, uma acha que eu vivo noutro mundo, outra diz que tenho espírito de missão.



Poderíamos chamar-lhe crença em vez de fé para nos afastarmos da linguagem religiosa. Para entrarmos num domínio despojado da religião que deixasse apenas o imaterial. Aquilo que não pode ser atingido - completamente - pelos sentidos e, logo, pela razão.



Poder-lhe-íamos chamar o vazio, pois num certo sentido a liberdade que desejo implica um vazio, uma solidão do mundo. Como uma vez alguém escreveu: "implica um certo esvaimento de mundo/ficar exangue de tudo"



Mas pouco importa o nome que lhe demos. Importa o que é. E, em bom rigor, compreendeste bem o dilema possível daquele que toma o caminho da viagem interior. Se for inteligente e perspicaz ou dotado de uma aguda intuição compreenderá que esse é um caminho perigoso. E terá medo. A não ser que o mundo lhe interesse pouco. Ou, persistindo na metáfora alheia, que deseje ele mesmo o esvaimento do mundo e corte os pulsos, para ir ficando só, turvo, sonolento. Mas não falemos mais de mim.



Tudo redunda na última linha do que escreveste. Queremos ser aceites socialmente. Queremos ser aceites socialmente? Eis a questão. Eis a complicada questão



É um lugar comum afirmar-se que que o homem é um animal social, no man is an island. Tudo verdade, concerteza. Mas tenho para mim que na espécie humana, por razões que ainda hoje continuo a investigar, o grau de necessidade de inserção e aceitação social varia muitíssimo.



Assim, a tua simples expressão "queremos ser aceites socialmente" encerra um enigma. Pois haverá tantas aceitações quantas pessoas.

É verdade que a sociedade tentará pautar a natureza e grau de aceitação. Tentará estabelecer cânones ímplicitos de aceitação. Sabemos, em geral, como podemos ser aceites. Pela forma como beijamos, como nos vestimos, como falamos. Como agimos e como pensamos. Mas a multiplicidade de comunidades e das suas variações dão-nos, apesar de tudo, alguma flexibilidade. O espectro compõe-se, pois, desde o eremita livre à celebridade desejada e conseguida. Com múltiplos matizes intermédios. Embora tenha alguma simpatia pela figura do eremita e de todos aqueles que se retiram do mundo a verdade é que não o advogo. Penso que há outras maneiras de pregarmos uma partida à sociedade. Podemos dar-lhe o que ela quer sem nos darmos.



Não é isso que normalmente aconteceu. Temos, por um lado, aqueles que simplesmente não encetam a viagem interior e se conformam em grande medida pelo mundo exterior. Dão-se à sociedade. E temos aqueles que se recusam a fazê-lo porque tomaram outro caminho e estranharam-se de sociedade tanto quanto a sociedade os estranha a eles.





"Não digo no seu par que podem sempre encontrar e partilhar essa conquista, mas no geral. Na sociedade, para os outros desconhecidos. Digo que quem se conhece e se reconhece nos outros e eles em si, tem sempre relações dificultadas ao contrário do que poderíamos supor pelo que dizes no post inicial, e isto porque a quantidade de pessoas que se permite ter essa liberdade é muito reduzida (infelizmente)."



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Pois eu diria no par. Pois aí está a suprema dificuldade. A pessoa que se apresenta aos outros, sobretudo a um outro com quem deseje uma partilha máxima, acabado de regressar da sua viagem interior (onde querendo fazê-la com ela, o que é ainda mais difícil) é um estrangeiro num país exótico, falando uma linguagem esquisita. Requer-se aqui, e não vou de novo buscar a palavra crença, uma reaprendizagem da humanidade. Um relembrar o básico, como tudo começou.

Os seres humanos partilham aspectos naturais com os quais, ao longo de milénios, passaram também a partilhar aspectos civilizacionais. A estes não os contesto. Mas revolto-me contra a sua aplicação a domínios onde não são aplicáveis. Se alguém vem até mim com o seu mundo, por mais estranho que possa parecer, tal fascina-me e incita-me a partir à descoberta com um enorme espírito de tolerância e uma grande vontade de aprender. Terei por certo dificuldades, poderei sentir-me inseguro ou indiferente sobre as capacidades partilhadas de nos interessarmos mas tudo isso é superado por uma inexplicável (e tudo a isto remonta) crença na importância dos mundos interiores alheios. Tal como acho que a liberdade suprema é percorrermo-nos, excluídos do Mundo, nada me faz ficar mais enamorado de alguém do que descobrir-lhe um magnífico, genuíno e luxuriante mundo interior e uma profunda vontade de o partilhar comigo. Apesar de todas as contrariedades. E são muitas e as mais terríveis. Por isso diria que o par é o que mais custa a conseguir se enveredamos pela viagem interior pois a partir desse momento poderemos enganar todos os outros, com os conhecimentos incríveis que vamos conseguir mas passaremos a estar reduzidos a um número reduzido de pessoas com quem partilhar as nossas descobertas, o mesmo é dizer o nosso mundo interior desbravado. Serão apenas aquelas que aceitem o convite silencioso que lhe és dirigido, que dêem um passo de fé e que estejam dispostos a penetrar na escuridão provisória de um outro mundo. O nosso.



Ora imagine-se o medo que muita gente tem do mundo exterior, a dificuldade que sentem em crescer, a adolescência, os rituais de passagem, os códigos e pense-se no terror que é para algumas pessoas perceberem que terão de começar tudo de novo se pretenderem uma determinada pessoa. Felizmente para elas, as atemorizadas, e para os viajantes do interior é raro tudo isto ser assim tão claro.



Felizmente para todos muitos há que encaram o Outro e os outros com o mesmo espírito com que encaram a vida: o de um mergulho contínuo e interminável.



Assim também vejo de modo distinto o que dizes quanto as relações dificultadas com todos os outros para além do par. Esses, apetece dizer, são os fáceis de enganar. Esses nunca compreenderão os viajantes do interior. Penso que estás a partir de uma imagem de alguma excentricidade, loucura ou genialidade exuberante na tua análise. Mas caso o não estejas estarás, talvez, a pensar nos mesmos casos que eu: sentir-se-ão incompreendidos. Responder-te-ei, sem mais delongas, que é o preço a pagar. A não ser que queiras entrar num caminho de expressão do teu mundo em que se pode consumir toda uma existência. Expressar a tua visão sem compromissos quaisquer. É um caminho possível e muito honrado. E, de novo, não poderia concordar mais contigo: um que, à partida, pode nada de bom trazer. Mas como se aferem essas relações dificultadas de que falas? Pelos padrões das próprias pessoas que as dificultam. Acredito que aqueles que fazem a viagem interior passam a aferir tudo por outros critérios, como se estivessem permanentemente a ver algo que todos os outros não vêem. Um outro horizonte. Penso sempre em Gandhi. Mas tantos exemplos haveriam. Como os místicos Sufis, os Santos cristãos, os Xamãs turcos, entre tantos.



Se te referes a uma certa forma de marginalização contra a diferença, no sentido de que a viagem interior nos torna diferentes e um pouco rebeldes ao instituído, digo-te que não tem de ser assim. As primeiras e mais importantes mutações provocadas pela viagem interior fazem-se ocultas dos outros, exactamente porque se fazem cá dentro. A forma como depois o expressamos é uma nossa opção. Desde a rebeldia adolescente até uma invisível passagem pelas dobras dos dias, muitas são as hipóteses. É possível - sei-o - estar no mundo exterior à boleia, deixá-lo levar-nos mas sermos nós, afinal, a persistir na nossa viagem. Nem sempre temos de confrontar o mundo com o nosso próprio mundo, podemos apenas aprender a vivê-lo nas falhas do mundo exterior, como uma resistência subterrânea, oculta, desenvolvendo a sua missão.



Por isso, entendo ser muito mais complicado a partilha deste mundo com o par de que falas que, pelo meu lado, não merecerá menos que tudo, com toda a carga e dificuldade que tal acarreta - comunicacionais, sobretudo - do que com todos os outros, cuja ausência de intimidade, nos permite iludi-los com a aparente aceitação dos cânones tácitos que a sociedade faz correr nas suas veias.

"penso que eu não vi a coisa extremada no sentido fatalista com que a leste (admitindo ser uma leitura possível), vi-a num plano mais empírico em contraposição a um teu plano mais teórico, com o qual estou muito de acordo, diga-se."



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Empirismo e Racionalismo



Eis um tema que já aqui deveria ter sido abordado. A razão porque tal nunca aconteceu é eu nunca falar do óbvio. Excepto quando o óbvio se torna fundamento de algo mais.

Ora o óbvio neste contexto é este ser um blog onde o racionalismo impera sobre o empirismo. Ou, melhor dizendo, um blog de racionalismo evidente e de empirismo latente.

Gosto de escrever aqui sobre as reflexões que as minhas experiências me provocam tanto quanto gosto de aqui partilhar as ideias puras que pretendo ainda ver confirmadas. Ou não.

O empirismo torna-se assim latente, ultimamente mais, pois as minhas experiências afloram o Em Busca... apenas como causa remota das minhas palavras, que se tornam mais genéricas e abstractas. Pretendo assim preservar alguma da minha intimidade.

Mas a discussão entre empirismo e racionalismo, eterna discussão dir-se-ia, traz alguns ponto de pensamento muito interessantes.

Antes de mais, o problema clássico: o caminho. Partiremos nós da razão para a experiência ou da experiência para a razão. Deduzimos ou Induzimos?

Penso que o sentido do caminho é talvez a mais difícil, complicada e oculta acção humana e chamei-lhe sagacidade. Aqui opto por ser mais racional mas apenas vos estou a dar a parte final do caminho ou o seu início, nunca o caminho. Com algumas excepções. O que importa é que o façamos e que consigamos perceber em cada momento qual o melhor caminho a seguir: o do racionalismo ou o do empirismo.

sábado, 3 de janeiro de 2004

Parentesis



para a Figment, por um Post Scriptum



Serve este parentesis, nos temas que vêm sendo abordados neste blog, para discutir um aspecto muito importante nos relacionamentos humanos. Quer no relacionamento intrapessoal, quer no interpessoal.



Este texto pode ter dois inícios. E terá mesmo. Depois arranjarei maneira de o tornar uno.



1. A imagem que cada ser humano tem de si mesmo sempre foi um tema que me interessou. As razões estão intimamente relacionadas com as várias possibilidades de auto-imagem que cada ser humano pode ter. Interessa-me compreender como cada pessoa constrói o seu Eu consciente. Isto porque estou normalmente interessado nas pessoas enquanto númeno, para usar o termo kantiano para a realidade em si, que não pode ser conhecida. Pelo menos, até posso concordar com Kant neste ponto, não racionalmente. Mas a razão interessa-me muito pouco no que toca a conhecer pessoas. Utilizo-a como se utiliza uma máquina calculadora ou um computador: como um utilitário. Para fazer contabilidade, inventários e outras tarefas mecânicas. A criação, a descoberta, as hipóteses, essas, são instintivas.

O motivo porque me interessa conhecer a construção e a manutenção desta auto-imagem alheia, de várias pessoas que cruzam a minha vida prende-se com o meu interesse em perceber como cada uma delas se projecta no mundo e, mais importante, como isso influencia, consciente e inconscientemente, a sua relação com os outros. Por paradoxal que possa parecer nada afecta mais a nossa capacidade de nos relacionarmos com os outros do que a forma como nos relacionamos connosco. Primeiro conscientemente e, depois, para lá das suas fronteira obscuras, inconscientemente. E não me refiro ao prosaico "Se eu não gostar de mim, quem gostará?". Penso sobretudo no espaço que nos permitimos e aos outros. E aqui sim começa a ser importante referirmo-nos às concretas medidas de auto-imagem...

E tudo isto porque a auto-imagem é o véu entre aquilo que podemos dar para o Mundo Exterior e aquilo que pode ficar irremediavelmente preso Cá Dentro.



Outro princípio



2. Durante muito tempo e ainda hoje, embora com menos intensidade, muitas pessoas tiveram e/ou têm de mim uma imagem que, invariavelmente, contém os epítetos de convencido, arrogante, "com a mania" (gosto muito desta), entre outras na mesma toada. Abstraindo agora das razões que originaram estas qualificações, o que só por si merecerá um post autónomo, do que vos quero dar conta é de algumas reflexões interiores que fui fazendo ao longo dos anos. Quanto ouvia estes comentários ou, melhor dizendo, reflectindo sobre as ideias que sabia as pessoas terem de mim, nunca lhes levei a mal o que pensavam. Por várias razões, como não me conhecerem o suficiente ou eu mesmo provocar essas ideias. Mas o que restava para além disso era uma sensação de que as pessoas que mais me projectavam assim eram as que tinham uma imagem mais insegura de si mesmas. Ou eram mais inseguras. O que é - quase - o mesmo. Coloquei a hipótese de a minha auto-expressão, tradução da minha auto-imagem, poder assustá-las de um modo irreconhecível. É que havia algo em que estávamos de acordo: eu sinto-me especial. E, provavelmente, isso percebe-se. Mas o que penso que essas pessoas nunca perceberam é que eu sinto-me especial pela mesma razão que penso que a quase totalidade das pessoas se deverá sentir especial: a identidade. Aquilo que construimos, com o nosso tempo e o nosso espaço, as nossas experiências, tornam-nos especiais em relação a uma banalização e massificação opressora. Impede-nos de sermos estereótipos vivos. Daí dar tanta importância ao mundo interior. É que construir uma personalidade ou uma imagem dela conformada pelo mundo exterior, total ou maioritariamente, é cumprir os seus ditames e as suas obrigações. Ora, o mundo exterior, tanto mais se o considerarmos enquanto sociedade ocidental coeva, é banalizante. Visa ordenar e estruturar. Mesmo que seja ordenar e estruturar a diferença. Todas as alternativas são alternativas dentro de um sistema.

Serve todo este intróito para fundamentar a minha perplexidade pelas pessoas que se surpreendem com o seu próprio valor, o valor das suas ideias e das suas opiniões. Para mim o valor é aferido por um conjunto de critérios cujo primeiro e determinante é a genuinidade. Razão pela qual gosto de conversar com praticamente toda a gente e de saber o que pensam todas as pessoas com quem me cruzo e que não demonstram ser estereótipos ou preconceitos ambulantes. Os dogmáticos também me chateiam um pouco.



A verdade, para mim, é que verificado um princípio que posso designar por Princípio da Genuinidade, toda a opinião se torna preciosa e importante. O que importa é perceber que a pessoa se está a expressar intimamente, quer seja com a razão quer seja com a intuição. A forma como uma prevalece sobre a outra é variável de momento para momento e de pessoa para pessoa. Verificado este Princípio estou (estamos) pronto para discutir ideias e opiniões mesmo que, posteriormente, venha a ficar desagradado com elas ou com elas discorde. Mas isso é já o que para mim menos importa. E sempre assim foi. Importa-me antes de mais que as pessoas sejam. Nesse sentido escrevi, aliás, o post respeitante à Liberdade do Outro.



Também nesse sentido darei sempre importância a toda e qualquer opinião, desde que perceba a sua genuinidade. É esse o valor da pessoa, que posso aliás mal conhecer. A pessoa valerá para mim, nesse contexto, pela sua auto-expressão, que é especial. Especial enquanto própria e potencialmente única. E isso é tudo o que me importa.



A sua importância será total e penso que cada pessoa deveria sentir, longe de prepotências ou presunções, que contém uma especialidade na medida em que habita em si uma forma irrepetível de traduzir o Universo.