O meu amigo faz 100 anos. Atendem o telefone por ele e é uma voz sumida que me fala. Muito mais sumida do que no ano passado. Enfim, há de haver alguma diferença entre 99 e 100.
Nunca tive um amigo a fazer 100 anos. É uma novidade. O morto, como se sabe, morreu quase a fazer 70. E mesmo permanecendo sempre presente, ainda agora dia 1 de outubro, só fez 79.
Cem anos é coisa diferente. O meu amigo ainda nasceu antes da ditadura, meteu-a no bolso, e ainda por cá anda volvidos quarenta anos de democracia. Isto para termos uma escala.
Conheci-o a vê-lo beber um copo de whisky com o meu pai ao fim do dia, lá em casa. Depois começámos a jogar xadrez. Ele homem feito e eu uma criança. Começávamos juntos e continuávamos pelo telefone. Ligávamos a dizer as jogadas. Mais tarde foi ele quem me deu o primeiro Saramago e tantos outros depois.
Mas a voz estava realmente sumida. E pela primeira vez pensei se para o ano lhe conseguirei dar os parabéns.
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