O Indizível
para "I'm just a figment of your imagination"
a minha amiga Maria do Mar, que aliás regressou há pouco e com poesia, escrevou-o assim:
Indizível
Tu és o princípio indizível
Que tece a minha vida
És fome de agarrar
E querer o sangue e a carne
És a raíz do meu beijo mais puro
Do meu passo mais certo
Do meu único futuro.
És claridade e escuridão
Dentro dum sonho
E sonho todas as noites
O dia inteiro de ti.
És perpetuamente a vontade do meu corpo
E és a voz lembrando
A precisão do gesto que faz amor
Que mostra a ternura do abraço.
És a aurora e o crepúsculo
E és assim a matéria do meu braço
Que age, deseja e quer.
És a violência da dor
Que traz a ausência
Na mais recente lonjura
E és também leveza do tempo
Quando moro no teu olhar.
És a minha solidão, pois nela entraste
Levo-te a todo o lado
E não há força ou surpresa
A palpitar no meu peito
A desejar-se na minha mente
Que não te contenha.
Pois tu és o princípio indizível
Que me percorre e explica
Tu és o meu sangue em flor
És borbotões de cores
De corrida, de passos, de voos
As mil horas ainda que restam
Sobre mais mil e outras, até à morte.
És aquele princípio indizível
Que não explica a origem da vida
Ou a dança do átomos
Não explicas os buracos negros
Nem os fundos dos mares
És aquele princípio indizível
Que explica a minha vida
Que contém os seus segredos
Que permite a construção e a forma
Do trilho, da estrada
Do caminho ainda por vir
És aquele princípio indizível
Inominável
És nume de luz
Existência, energia e crença
Que é o núcleo das minhas células
A chave dos meus genes
És a linguagem do meu pensamento
Tu és a minha língua.
És o meu princípio indizível
Inexplicável
Pois não se explicam os matizes da criação
Não se sabe qual é o nome do amor.
És esse princípio indizível de mim
Assimilado pelo meu corpo
Deduzido em existência
E assim és o meu desejo de ser
Pois eu sou o desejo de ti.
És o princípio que levo comigo
Na aventura total da vida
Quando apanhei o comboio grande
Por entre estradas e fronteiras
És os meus olhos outros
Para os povos e as vitórias
Só contigo percebo e quero
O que resta ainda de mim.
Tu és a minha viagem
És a ida, a bagagem
És os transtornos e os prazeres
És a força que explica
O próximo passo
O descanso, a insistência
O cansaço.
És indissociada de mim
Pois somos explicadas uma pela outra
E partilhadas uma pela outra
Em corpos que se bebem e contagiam
De emulsões e tremores
De liberdade e fervores.
Tu és o princípio indizível
De qualquer meu gesto
De qualquer meu fôlego
De qualquer certeza
És o nome dos meus filhos
Tu és aquela com quem dormirei sempre
No fim diário das horas
Até à morte final dos dias
Só contigo me quero deitar
Pois se és o princípio indizível de mim
E condensas em ti o universo
Só em ti há repouso e redenção
Só contigo abraço o tempo
Só contigo beijarei a morte.
Maria do Mar
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