quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Livros sobre

Não sei bem por onde começar. Talvez pelo fim: estou a terminar as obras completas de Epictetus, um filósofo estóico tardio (romano). Não se deixem impressionar pela designação "obras completas": pouca coisa de Epictetus chegou até à atualidade. Está tudo contido num pequeno volume de umas quase 300 páginas.

À medida que ia avançando na sua leitura fui recordando uma reflexão que tenho feito vezes e vezes sem conta e que tem servido também para algumas discussões com amigos. O modo como, nas nossas vidas, somos levados ora a ler certos autores e assuntos ora a ler sobre certos autores e assuntos. O ler sobre, parece-me, é sobretudo um flagelo da contemporaneidade, sendo a wikipedia o seu esplendor. Mas como o nome indicia, a sua origem é já secular e a grande novidade da wikipedia é a sua ubíqua acessibilidade. Evidentemente sempre se escreveu sobre. Mesmo os gregos, de quem quase toda a gente fala sobre, consciente ou inconscientemente, já tinham comentários e tratados sobre assuntos, escolas ou pensamentos que outros tinham criado, como os egípcios. E é aceitável, em ciência, que se fale sobre algo para construir ou expressar um esteio sobre o qual se apresente pensamento novo, dando corpo ao lugar-comum de que estamos sempre cima dos ombros de gigantes. Não é disso que falo. 

Refiro-me às nossas leituras pessoais. Ao modo como construímos a nossa cultura, as nossas reflexões, os nossos pensamentos. Qual o critério - se o temos claro para nós - que nos faz escolher ler sobre alguém que escreve sobre ou ir diretamente às fontes. Regressemos a Epictetus e ao estoicismo. Já perdi a conta às vezes em que li ou ouvi falar da influência do estoicismo no catolicismo. De católicos a anti-clericais todos já me falaram dessa relação e eu já a li em diversas obras. É uma discussão em si mesma muito interessante. A partir de que momento é que ler os próprios autores estóicos e formar a minha opinião a partir das fontes foi mais importante do que continuar a ler sobre esta discussão? Não sei bem dizer. Mas acontece-me muito. E não apenas com discussões sobre influências filosóficas e religiosas. Mesmo na literatura, se me parece que certo autor é inspirado ou influenciado por outro, mais antigo, um clássico, por exemplo, apetece-me começar por ler esse autor. 

A minha última e mais convincente explicação para isto em mim é a confiança. Enquanto na ciência confio nos que me precederam para neles me apoiar, sem sempre ter que começar de novo, nas reflexões, na literatura, desconfio de mim e dos outros. Quero saber mais, quero poder escrutiná-los a partir das suas próprias fontes. Ou apresentar-lhes as fontes que lhes faltam. É difícil destrinçar por vezes porque confio e não confio. A questão estoicismo-catolicismo é um bom exemplo. Há de existir boa investigação científica no âmago desta popular questão. Mas, então, porque não confio eu nela e, ao invés, ao ler os estóicos estive atento, por mim, a essa discussão? Não consigo explicar. Pode ter que ver com uma mistura da tal confiança com interesse pelas matérias. Sempre senti um apelo pelo estoicismo desde que li Marco Aurélio pela primeira vez, há muitos anos. Talvez a descoberta desta discussão me tenha servido de pretexto para ir ler mais os estóicos. 

De qualquer modo, e voltando a uma discussão geral, os livros sobre são tão relevantes quanto perigosos. A questão está em descobrirmos um critério adequado para a sua escolha: lê-los em demasia dá-nos o mundo visto por demasiados filtros, lê-los insuficientemente impede-nos de conseguirmos saber mais sobre mais assuntos e ficarmos presos a um conjunto restrito de questões em que mergulhamos. Para já, continuo a propender para lê-los de menos. E com isso estou sempre a queixar-me da falta de tempo para ler todos os livros e encetar todas as reflexões que ainda acho que tenho que aprofundar.


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