O que se diz em primeiro lugar? Um prefácio, está visto. Quanto ao nome e à forma estamos conversados, quanto à substância que dificuldade!
Talvez para responder à questão seja necessário responder antes a uma questão prévia: quem diz em primeiro lugar algo sobre uma obra, para mais de poesia?
Quando se tratou da posição inversa, de ser eu a escolher, e não o escolhido, não tive dúvidas, mas terei pensado num perfil? Bem, talvez. Talvez tenha pensado no que queria de um prefácio para aquela obra (Miguel Soares, Vertigem, Editorial Tágide, 2004) e alinhado na minha cabeça algumas exigências mínimas - um amigo, um amante de poesia, alguém que conhecesse o contexto daquela minha escrita. Sim, há aqui, mesmo que implícito um perfil. É este perfil canónico? Claro que não: convidado prefaciador às razões do prefaciado. E estas razões tornam-se o princípio explicativo do prefácio. O que se diz em primeiro lugar, é primeiro explicado pelo que liga prefaciador e prefaciado. Muito mais, por vezes, do que por aquilo que se prefacia.
Este é um desses casos. O prefácio que por estes dias se constrói é também explicado por aquilo que se prefacia (Maria Sousa, A mulher ilustrada, Editora do lado esquerdo, no prelo), mas é sobretudo o resultado de uma amizade poética.
Daí que tenha pensado em pedir reforços, dada a exigência do que me era pedido: é a minha primeira vez a escrever o que se diz em primeiro lugar. Dada a honra, chamei Anne Carson. Mais concretamente a Anne Carson de Eros, the bittersweet.
A convocação do Eros grego, como um deus acre e doce ao mesmo tempo, não foi inocente. Além de partilhar com Carson este entendimento do deus, ele é uma óptima evocação da poesia da Maria, que se lê numa espiral em que cada poema promete revelar, tanto quanto oculta. Há sempre, na Mulher Ilustrada, um amante oculto, que perfaz a triangulação perfeita da poesia eterna.
Daí que aquilo que se diz primeiro e que o meu primeiro prefácio pode almejar ser não é uma apresentação, da autora ou da obra, mas um passeio em que se desvele, por passos mais do que por palavras, o espaço - as escalas, os horizontes, as perspectivas - em que podemos encontrar-nos com a Maria e a poesia da sua Mulher Ilustrada. O prefácio tem pois algo de maiêutico, o que me agrada: ele não cria nada e serve apenas o propósito de ajudar a fazer nascer melhor a relação entre poetisa e leitor.
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