quinta-feira, 19 de abril de 2012

Agradeço, empenhado, às minhas mãos isto ter vindo parar


INVENTÁRIO PLEBEU
 
                        para o José Miguel Silva
 
 
A verdade, digam lá o que disserem,
é que tivemos muito pouca sorte
com os poetas (?) nossos contemporâneos.
 
Um nasceu em Galveias e tatua-se
ou alfineta-se para disfarçar um vazio evidente;
outro gosta de andar nu em Braga,
muito depois – e aquém – de qualquer Pacheco.
(Ignoram, ambos, que a única pila maior
do que o mundo era a do João César Monteiro.)
 
Um terceiro, cujo nome nunca escreverei,
é a mulher moderna da edição
às cegas e da sacanice quotidiana. O quarto
e o quinto (gabo quem os logra distinguir)
arrotam melancolia e não admitem
o mínimo desvio à sacrossanta transfiguração da lírica.
 
O sexto – não, não me apetece falar aqui do sexto.
 
Consola-nos, isso sim, saber que uns se tornaram
entretanto romancistas (pilim, pilim), e que os restantes
hão-de ser, muito em breve, ministros
ou apenas pulhas (é, no fundo, a mesma coisa).
 
Enquanto, de esgoto em esgoto,
Portugal progride a olhos vistos
e é bem capaz de levar, um dia destes,
com outro Nobel nas trombas.

Manuel de Freitas
 
(Revista Piolho 006, Setembro de 2010, Porto, Edições Mortas / Black Sun Editores)

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