(2002)
Prédio antigo de escadas escuras em caracol
Degraus rasgados sob os meus pés apressados
Vou na subida, rápido, ao 3º andar
Querendo fazer chiar as escadas velhas e gastas
Que assustam nem que seja a lembrança
Daquilo que por lá poderia ter passado,
Quando eu o fazia também.
Vou-me esgueirando e dançando com as sombras
Das ombreiras e das portas, dos corrimões
Vou subindo e erijo palpitando o meu corpo
Entre ansiedade e nervosismo, que diferença a há
Toque da campainha, silêncio logo todo, depois
E a porta abre-se com a surpresa de um roupão
E uma mulher toda loura dentro dele, sorrindo
Entre a ombreira e a porta um sorriso é quase tudo
Fiz uma vénia respeitosa e cortês para cair em boa graça
E reparei nas pernas brancas, nos chinelos de pompons
Era eu que sorria entre o convite para entrar e um passo mais
Parei na antecipação da minha guia, levando-me até à sala
O fauteuill ficou para ela, espraiada e lânguida, familiar
Eu sentei-me composto, tracei a perna e esperei
Ouviu-se um trino, olhei a janela e levantei-me
Sob os auspícios do sorriso ainda mantido beijei-a
Tomei-lhe a boca, como a um fruto carnudo que quisesse morder e chupar
E era só isto que na sala vivia, ela mantida lânguida
Eu erecto e rígido, dobrado apenas um pouco sobre si
Uma sala tão linda, barroca de bric-à-brac
Com as camilhas e os quadros, os fauteills e os sofas
Algumas poltronas por sobre tapetes, enfim
Caí sobre ela e toquei-lhe o peito sob a roupa, estremeci
A descoberta do corpo excitara-me sempre
As combinações estranhas da roupa eram espicaçadas no meu imaginário
Ela de roupão e eu de fato com a gravata de flanela e o lenço na lapela
Eu com a mão no seu peito logo tocado, ela amachucando
[a camisa por baixo do casaco
O relógio bateu as cinco e meia, soltámos um riso inteiro então
Aproveitado por mim para despir o casaco até a sua palavra vir
Pedindo que me despisse todo perante ela
Soltei o fato pela sala e as meias e os sapatos
Precipitei-me sobre ela que fugiu correndo pelo andar
As portas de madeira várias confundiam a minha perseguição
Perdi-a num instante e encontrei o roupão caído no corredor imenso
“Os dois nús” pensei. Parei
Fui até ao quarto, andando, lá estava ela deitada na cama antiga
Ainda com reposteiros. Lindos
Corpo despido e descoberto, depois do erotismo do roupão,
Partilhas e letras são o erotismo todo
Violentámos os corpos até ao prazer possível, deixámo-los respirar connosco
Regressámos ao ritmo, à força, aos gestos, aos risos
À quietude
Depois fui até ao salão contíguo, banhei-me
Vesti-me, apertei de novo a gravata a um segundo fôlego
E olhei-a dormindo, repousando por entre as madeiras e folhos da cama
No corredor deixei a quantia normal na pequena salva de prata
E ao sair prometi voltar ao 3º andar. Como fazia sempre.
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