quarta-feira, 19 de outubro de 2011

3º andar (ou um pequeno conto erótico em todos os sentidos)

(2002)


Prédio antigo de escadas escuras em caracol
Degraus rasgados sob os meus pés apressados
Vou na subida, rápido, ao 3º andar
Querendo fazer chiar as escadas velhas e gastas
Que assustam nem que seja a lembrança
Daquilo que por lá poderia ter passado,
Quando eu o fazia também.
Vou-me esgueirando e dançando com as sombras
Das ombreiras e das portas, dos corrimões
Vou subindo e erijo palpitando o meu corpo
Entre ansiedade e nervosismo, que diferença a há
Toque da campainha, silêncio logo todo, depois
E a porta abre-se com a surpresa de um roupão
E uma mulher toda loura dentro dele, sorrindo
Entre a ombreira e a porta um sorriso é quase tudo
Fiz uma vénia respeitosa e cortês para cair em boa graça
E reparei nas pernas brancas, nos chinelos de pompons
Era eu que sorria entre o convite para entrar e um passo mais
Parei na antecipação da minha guia, levando-me até à sala
O fauteuill ficou para ela, espraiada e lânguida, familiar
Eu sentei-me composto, tracei a perna e esperei
Ouviu-se um trino, olhei a janela e levantei-me
Sob os auspícios do sorriso ainda mantido beijei-a
Tomei-lhe a boca, como a um fruto carnudo que quisesse morder e chupar
E era só isto que na sala vivia, ela mantida lânguida
Eu erecto e rígido, dobrado apenas um pouco sobre si
Uma sala tão linda, barroca de bric-à-brac
Com as camilhas e os quadros, os fauteills e os sofas
Algumas poltronas por sobre tapetes, enfim
Caí sobre ela e toquei-lhe o peito sob a roupa, estremeci
A descoberta do corpo excitara-me sempre
As combinações estranhas da roupa eram espicaçadas no meu imaginário
Ela de roupão e eu de fato com a gravata de flanela e o lenço na lapela
Eu com a mão no seu peito logo tocado, ela amachucando
[a camisa por baixo do casaco
O relógio bateu as cinco e meia, soltámos um riso inteiro então
Aproveitado por mim para despir o casaco até a sua palavra vir
Pedindo que me despisse todo perante ela
Soltei o fato pela sala e as meias e os sapatos
Precipitei-me sobre ela que fugiu correndo pelo andar
As portas de madeira várias confundiam a minha perseguição
Perdi-a num instante e encontrei o roupão caído no corredor imenso
“Os dois nús” pensei. Parei
Fui até ao quarto, andando, lá estava ela deitada na cama antiga
Ainda com reposteiros. Lindos
Corpo despido e descoberto, depois do erotismo do roupão,
Partilhas e letras são o erotismo todo
Violentámos os corpos até ao prazer possível, deixámo-los respirar connosco
Regressámos ao ritmo, à força, aos gestos, aos risos
À quietude
Depois fui até ao salão contíguo, banhei-me
Vesti-me, apertei de novo a gravata a um segundo fôlego
E olhei-a dormindo, repousando por entre as madeiras e folhos da cama










































No corredor deixei a quantia normal na pequena salva de prata
E ao sair prometi voltar ao 3º andar. Como fazia sempre.

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