terça-feira, 31 de maio de 2011

Três poemas solitários a caminho do Cais do Sodré

(a minha participação no #2 A Sul de Nenhum Norte)

British

sobre a mesa, repito-me:
uma pint de Guinness e um prego,
por favor, e mais uma pint
de Guinness e um prego. À minha

frente, uma inglesa sardenta,
cabelo de cobre, olhos azuis, e
eu repetindo-me sobre a mesa:
uma pint de Guinness e um prego,
por favor, e escutando as
conversas em volta, como tem que ser
o rapaz feroz, os velhos habituais e
mais uma pint de Guinness e um prego

porque só a repetição permite apurar
até à medida certa a solidão.


São Paulo

às quatro da manhã raramente
está aqui alguém, só de passagem.
eu, pelo contrário, gosto de sentar-me
porque o meio da madrugada vai bem
com estas pedras e estes sentimentos

mesmo que me recordes o resto
da noite, aqui perto, por ali,
entre os corpos organizados e
disponíveis, a língua e a conversa
decorada, essa memória
não chega. Nem tu

a meu lado sobrevives à
solidão deste lugar.


Ibo

alguém querido fazia anos, vestimo-nos
melhor e fomos, como diplomatas
representando o nosso país, à
beira-rio, no consulado.
comemos

e bebemos: festejámos, sobriamente,
claro: não se festeja de outro modo,
quando a atenção está em viagem,
pelos outros

estava mais alguém comigo, tu e
o aniversariante, por certo, e um
país inteiro, por exemplo, Moçambique
veio pelo Tejo dentro, à margem

e eu dei por mim, sozinho, esgotado
à meia noite, no Cais do Sodré.

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