quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

As datas

O meu nascimento, a tua morte. Depois, o teu aniversário, o meu, de casamento. O do primeiro filho. Da tua segunda filha. Mesmo as mais triviais - quando o Di Vino fechou, quando fomos lá pela primeira vez, quando visitámos a Cornualha - todas estas datas pesam como uma recodificação da nossa matriz genética. Não mudámos apenas desde que nascemos, não é apenas a influência do meio. As datas inscrevem-se como tatuagens, na pele das células. Um novo citoplasma que nos torna síncopes dos anos, sujeitos à vibração dos regressos anuais. À nossa memória, à nossa boca, ao nosso estômago. As datas, como putas, estendem-se à nossa frente, perguntando o queremos, avisando o que não fazem, fixando o seu preço.

E, nós, pobres de nós, que inventámos religiões para fingir que dominámos o tempo e os seus mistérios, que fazemos nós a estas incontornáveis criaturas? Deitamo-nos com elas, celebramos a sua vulgaridade? A sua excepcionalidade? Redimimo-las e convertemo-las em santidades? Revisitamo-las como epifanias tornadas efemérides?

Em boa verdade, apenas algumas nos pesam. Outras, bem pelo contrário, são doces. Meninas doces. Mas, é translúcida e enganosa a linha que separa umas de outras.

Todas pesam. Seja ao colo ou nas cruzes.

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