sábado, 23 de outubro de 2010

Despojos do amor

Este título é uma opção. Traduzir é trair, diz-se. É optar, sempre.

Acabo de ler Love Remains de Glen Duncan, o quarto romance que leio dele. Vou fazer uma pausa, lá para o Natal regresso, com Weathercock (fiquei, para já, a saber como se diz catavento em inglês). Será, de certa maneira, um regresso às origens. O primeiro romance que dele li, o único que tenho em português, foi, Eu, Lucífer: Weathercock, não sendo uma continuação, mas vindo logo a seguir, parece ter ainda muito presente o perfume do Mal. Vamos ver.

Mas agora quero falar-vos de Love Remains cujo duplo sentido em inglês obrigaria a distintas expressões em português. Se o literal "o amor resta" não está totalmente ausente da obra, nem que seja de um modo irónico; parece-me que são os despojos do amor, a melhor tradução, tendo que se optar. Este é claramente um daqueles casos em que a tradução deve superar a angústia das impossibilidades linguísticas e seguir em frente.

Dito tudo isto, Love Remains, é um romance sobre o corpo. E, por estranho que pareça, só o percebi a algumas páginas do fim. Estranho porque ando sempre em busca do corpo na literatura, na poesia. Mesmo o pouco que escrevo hoje em dia, é quase sempre sobre o corpo. Sobretudo como o corpo é a nossa primeira solidão e a nossa primeira fronteira. E, poderia dizer-se que Love Remains é exactamente sobre isso.

As personagens principais, Chloe e Nicholas, definem-se, em conjunto pelo seu amor, mas a partir do momento que são olhadas sozinhas (cada uma pelas suas razões) apenas o corpo as define. E o corpo é sempre uma experiência, a parte de nós que é explícita. Duncan consegue usar (literal e simbolicamente) o amor como um macguffin: tudo parece andar à volta dele quando na verdade tudo anda em torno do corpo. Pode ser apenas um paradoxo, pois o amor e o corpo são uma luta eterna de identidades e contrários, mas Duncan nunca toma completamente partido e permite-nos por isso a nossa própria construção desse paradoxo. E se quisermos a nossa própria explicação.

O corpo é, afinal, a arena de todas as experiências, desde as cicactrizes até à morte. É natural que isso nos molde e que moldemos nós o corpo de acordo com a sua mudança.

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