segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Estudos em prelúdios para uma Allgemeine Theorie der Einsamkeit - IV

Para o solitário em sentido próprio a cidade conveniente é aquela que permite um movimento pendular entre o bulício e o silêncio (possível).

Por exemplo, o homem acorda de manhã em Carnide, rodeado de silêncio e de pássaros. Sobre o telhado apenas o céu, no horizonte palmeiras. Sente que a sua casa faz sentido ali, onde há tempo e espaço para pensar, para se tombar sobre as coisas, as coisas espalharem-se por ele. Os objectos, e as memórias que os objectos contêm, o saber, as lições das palavras, dos símbolos, as inspirações das formas, da composição que só um espaço próprio permite. Silencioso.

E depois há um passeio saudável até ao Metro, terreno plano, estradas abertas, a cutânea transição de uma casa, como um corpo, para um mundo, como um outro. Entra-se na pacatez de Carnide e sai-se no centro do Marquês de Pombal. De uma Lisboa aldeã para uma Lisboa urbana. O mesmo é dizer, do mundo interior para o interior do Mundo.

Pode haver, há sempre, uma vibração, um rumor pulmonar, nesta transição necessária, nesta respiração existencial entre a contida intimidade do espaço-casa e o abraço da azáfama, dos sons, dos movimentos, das inesperadas rodas das públicas horas. Mas é uma vibração que se assume como uma respiração, como um sintoma de que a vida, como o ritmo cardíaco, deve ser um movimento pendular, de equilíbrio e contra-equilíbrio.

Eu sonho, por exemplo, que a aurícula é solidão e o ventrículo companhia e que a própria dança do coração é, afinal, a metáfora-prova de que não há outra maneira de ser humano.

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