segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

pedem-me uma fotografia do morto, para um jornal. Eu dou.
No dia seguinte vejo a fotografia do morto no jornal e estranho. Quer dizer, é a fotografia do morto. Está morto e enterrado - bem o sei, estive lá - mas o morto não me parece morto. Pressinto a chegada do lugar-comum: o morto que persiste em não morrer porque persiste na memória daqueles que dele se lembram, blá, blá, blá, chegam os violinos e assim. Tremo. Ceder ao lugar-comum ou tentar matar o morto? Nada tenho contra lugares-comuns. Há poucos lugares-comuns mesmo comuns. No outro dia comprei uma máquina fotográfica apenas para fotografar lugares-comuns. Não tenho nada contra o morto que persiste em não morrer. Confesso que isto não é de hoje. Os mortos sempre me pareceram tipos que iam de viagem e escreviam pouco. Na volta do correio nada de notícias. Ficava-me a imaginação. Quando percebi o lugar-comum de tudo isto, ainda novo e susceptível, tentei barricar-me na simples desculpa: eram mortos pouco importantes. Mas o morto de hoje, o morto de ontem, enfim, este morto, é como se fosse meu pai. Lá vai a minha desculpa por água abaixo. Felizmente hoje já não sou tão susceptível. E aprendi a amar os lugares-comuns. Assim o morto persiste em não estar morto mas enterrado. Eu talvez persista em continuar a mandar-lhe postais. Afinal, quem é que vai saber?

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