segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Quem o viu e quem o vê

Creio que para um lisboeta da minha geração (e todas as gerações só se contam às três décadas) o Largo Rafael Bordalo Pinheiro sempre foi um local sem memória, espaço de passagem. Um sítio sem história. Na melhor das hipóteses aquele largo que fica, literalmente, entre o Carmo (o Largo) e a Trindade (a cervejaria, o teatro, o Largo). Curiosamente, hoje, o Largo da Trindade tem pouco de largo, embora o Largo seja ainda o mais belo Largo de Portugal. E não só pelo 25 de Abril.

Mas hoje a conversa é outra: Largo Rafael Bordalo Pinheiro. Quem goste de Lisboa ao ponto de saber os nomes das ruas e de as conhecer, visitar e revisitar e nela tenha vivido nos últimos anos não terá deixado de notar como o Largo Rafael Bordalo Pinheiro pode bem servir de símbolo a uma Lisboa que aí vem. Uma Lisboa que, ao contrário do pessimismo sempre proclamado, reclama um imbatível optimismo.

A primeira diferença que se nota nos tempos recentes do Largo Rafael Bordalo Pinheiro começa logo pelo nome. Nas últimas décadas ele andou tão por baixo que nem teve direito ao nome. Ninguém dizia ou ouvia dizer: vou ali ao Largo Rafael Bordalo Pinheiro ou estive no Largo Bordalo Pinheiro. A razão é simples: havia pouco ou nada ao que lá ir. E, de repente, provando que Lisboa é esse mistério duro, imortal, candente, eis que o Largo Rafael Bordalo Pinheiro renasce como nunca antes havia nascido. Hoje no Largo Rafael Bordalo Pinheiro há o Royale (um óptimo café, com uma pequena esplanada interior e que é já um insubstituível de Lisboa), o Nood, um restaurante japonês que desafia a classificação e onde se come muito, muito bem. Junte-se o recém aberto Zafferano, com a gastronomia italiana e temos um menu completo, com variedade assegurada. Mesmo em frente, prepara-se para abrir uma nova vida de Buchholz, onde, nas instalações da Duque de Palmela, aprendi a amar uma livraria e os livros estrangeiros. Agora, em novas velhas instalações no Rafael Bordalo Pinheiro há uma promessa de novas aventuras. Já não falta muito para abrir e espera-se para breve uma sítio na internet.
No meio destas mudanças todas lá se mantém a velha loja de lingerie e de tatuagens, bem como essa peculiar empresa de seu nome SOPONATA - Sociedade Portuguesa de Navios Tanques, detida pelo Grupo Mello. No seu meio, meio da Praça Rafael Bordalo Pinheiro, em vez de relvados ou estátuas um carril a separar dois passeios e uma árvore à sombra da qual tantas vezes já estacionei a minha vespa, a coberto de sol e de chuva. No outro lado, além de ficar um privado grémio (atentem na placa discreta) há também uma loja com toda a espécie de coisas modernas. Para terminar, o mais fotografado dos prédios do Largo, segundo o Google Earth: aquele mesmo onde eu, apesar de o saber bonito, sempre recordo uma boa e velha pastelaria: o carioca da Trindade. Já não estamos por isso, no Largo Rafael Bordalo Pinheiro, onde ainda há espaço para lembrar o Clube Português de Artes e Ideias, cuja presença na internet é um desafio para o detective amador.

Bem, já basta. O Largo Rafael Bordalo Pinheiro lá está, à nossa espera, ali tão bem entre o Carmo e a Trindade, que não podia faltar muito para que Lisboa se lembrasse (outra vez) dele.

Largo singelo, sem peneiras nem número 23 de porta. Largo em triângulo ou não fosse a maçonaria partidária destas partes. Largo de Lisboa.

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