sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O homem que só envelheceu antes de morrer

Deu-se o caso do homem que só envelheceu antes de morrer. Até aquela data - a data em que haveria de morrer - o homem era jovem. O corpo, enfim, lá tinha feito o seu caminho, melhor ou pior, ao correr dos anos. Mas sobre algo havia certezas: tratava-se de um homem jovem. Um homem que irradiava juventude, uma certa e estranha capacidade de andar atrás do tempo, deixando-o passar. Compreende-se, por isso, que não envelhecesse: envelhecia o tempo mas não ele. Ele estava aprês le temps. Não era descuido nem atraso, era um olhar demorado sobre o mundo, enamorado das coisas dele. Enfim, chegou o dia em que havia de morrer. Não me interpretem mal. Não morreu ainda o homem que só envelheceu antes de morrer. Pode até suceder que não venha a morrer nunca. Mas no dia em que a morte lhe desenhou, nas ruas do seu bairro, o caminho que haveria de tomar até à sua porta, esse foi o dia antes de morrer. E nesse dia, o tempo deixou de se contar em dias - é irrelevante agora que morra hoje ou amanhã - tal não faz qualquer sentido. E nesse dia, o último dia antes de morrer, o homem envelheceu.

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