quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Desconstruindo José Manuel Fernandes

Hoje ao folhear o Público, deu-se o acaso de ter notado o nome de um dos meus autores preferidos no título do editorial de José Manuel Fernandes. Vai daí entendi que se justificava lê-lo. Não dei o meu tempo por mal empregue, sobretudo quando lá pelo meio encontrei este simpático período:

Depois, porque uma coisa é intervir nos mercados, quando se verifica que as regras falharam ou que não estão a ser cumpridas - algo que a revista The Economist descrevia como sendo 'realismo', não 'socialismo', outra é procura intervir nos mercados de forma dirigista e orientadora.
Esta pérola merece ser escalpelizada com detalhe. Senão vejamos: JMF invoca um argumento do economist, não se percebe se por autoridade, se pelo fino corte estético da prosa. O que se fica a saber é que a intervenção governamental que se vem assistindo nas últimas semanas não é socialismo é realismo.

Este é o tipo de coisas que a Direita talvez nos queira vender mas a Esquerda tem que saber não ir nisto. Vamos por parte. O mercado, se nada mais houvesse, capitalismo à bruta, é de Direita. A regulação do mercado é de Esquerda. E sempre será. Imputemo-la ao socialismo, ao comunismo, à social democracia (de centro-esquerda), isso são rodriguinhos. Mas é de Esquerda, por certo, e acabou-se.

Mas olhemos com mais atenção. Diz JMF, a coberto do Economist, que interver quando as regras falham ou não são cumpridas não é o mesmo que ser dirigista. E é todo o mundo da semântica e da filosofia da linguagem que se desvela perante nós. Por diversos pontos.

1. Quem intervem quando as regras falham ou não são cumpridas intervem para repor algo. Esse algo tem que ser um paradigma de normalidade, algo que permita comparar e perceber que as regras falharam ou não foram cumpridas. Logo, essa intervenção pode ser motivada pela violação ou ausência de cumprimento de regras mas é sempre dirigida a repor uma qualquer situação. E essa ideia de normalidade - a normalidade do mercado - é algo que está ausente das palavras de JMF e que só não está ausente das palavras do Economist, pois todos sabemos as suas posições liberais, que sempre lhe estão ímplicitas. Nada contra o liberalismo entenda-se. É uma doutrina nobre e que acomoda muito bem a regulação. Aliás, o liberalismo sempre conviveu mal com a distinção Esquerda/Direita e por isso Economia de Mercado Regulado convive bem com o Liberalismo.

2. A questão é que o liberalismo, que JMF invoca ao invocar o The Economist, pode bem opor-se ao socialismo sem que no entanto isso signifique não defender a intervenção no mercado. E por isso, o decisivo, e que JMF ignora olimpicamente, está em saber o que é o liberalismo em cada momento.

3. Não se está aqui simplesmente a remeter para uma fórmula vazia e controversa de Liberalismo de Esquerda mas para a noção, que tem que ser muito clara: que intervir no mercado, no âmbito de uma regulação e, sobretudo, no âmbito de uma renovada e musculada regulação, provocada pelo susto da crise financeira é dirigir e orientar o mercado.

4. Ergo, o que JMF diz, a coberto do The Economist, não faz sentido nenhum.

5. O ponto está em ter esta crise centrado a discussão política em torno do que se entende por Estado Regulatório e qual a regulação que se pretende para Estado sobre o Mercado. Dizer com grande pompa que interver no mercado quando há problemas é realismo não é socialismo não nos diz nada. Pode ser socialismo como pode ser liberalismo, o que é certo é que há sempre uma intervenção orientada para um fim e esse é o aspecto que esta crise nunca mais vai deixar esquecer.

6. Doravante a regulação ganhará mais âmbito e mais objecto, se isso é socialismo ou não é uma velha questão, a menos importante. Se é realismo ou não já devia ter sido a questão há mais tempo, ou esta crise não teria emergido. Certo é que a intervenção do Estado, que já existia antes, mas, percebe-se agora, não o suficiente, é necessária.

7. Mas isso traz um desafio: é que a intervenção só quando o mercado falha pode ter que ser, e é quase sempre, uma intervenção muito cara ao bolso do Estado e de todos os contribuintes não especuladores, enquanto que uma regulação contínua, baseada num ideal político, qualquer que ele seja, tentará sempre evitar desgraças para os contribuintes.


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