terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Adega

Bebi o meu primeiro copo de vinho com uns 15 anos. Uma prova que o meu pai me deixou fazer, aconselhando moderação. Segui o conselho. Mais do que ele ter sorte em não me ter tornado um alcoólico, tive eu sorte por ter a garrafeira do meu pai à disposição e, já na altura, uma disposição para o ritual, o simbólico, aquilo que sempre apela à demorada sensualidade, ao experimentado misticismo. Essa disposição conjugada com os bons vinhos que existiam em minha casa explicam muita coisa. O resto é explicado por duas famílias, uma do Ribatejo, outra do Alentejo, com tradição vinícola. Beber vinho, para mim, nunca foi uma coisa qualquer. Quando pude chegar aos primeiros excessos da adolescência já trazia comigo um respeito e um fascínio pelo vinho, que me levaram os excessos para outras bebidas, como a cerveja ou os shots de tequilla, gin e vodka. Mas isso já lá vai. O que ficou foi uma paixão pelo vinho. Pelas coisas simples do vinho. Mas pelo bom vinho. E com isto não quero significar vinhos famosos e caros, pois nem sempre esse é o vinho bom. Nem o bom é absoluto. Gosto, por exemplo do critério preço/qualidade aplicado ao vinho, sobretudo num país como Portugal, onde em cada terrinha se produz vinho ao desbarato. Mantendo um prudente padrão mínimo de qualidade há muitos e bons vinhos por preços módicos e seria injusto dizer que um D. Ermelinda é pior do que um Quinta do Carmo pois seria comparar o incomparável. Digamos que o jogo é o mesmo mas são ligas distintas de campeonatos diferentes. Claro que um bom vinho, em termos absolutos, existe. O Incógnito, das Cortes de Cima, é maravilhoso seja qual for o critério.

O primeiro vinho de que me lembro é o Herdade da Espirra, tinto, 1991. Um vinho memorável mas que hoje tento perceber se era assim tão bom ou era eu que tinha um gosto fácil no que toca a vinhos. Talvez esteja um pouco traumatizado com o Herdade da Espirra, tinto, 2006, que provei recentemente, e sendo um bom vinho regular não se comparava à memória que tinha da colheita de 91. Mas, coisa bela do vinho, tudo muda com o tempo.

Uma das coisas que comecei a fazer na adolescência foi coleccionar fragmentos daquilo a que gosto de chamar a cultura do vinho. Por exemplo, ditados sobre vinho; ou os pormenores interessantes que algumas pessoas associam ao convívio do vinho. Mudar de copos entre vinho é um muito comum mas beber também um gole de água é mais desconhecido. Um parente meu chama-lhe "lavar a boca". É engraçado.

Depois pude também começar a coleccionar o vinho. E importa distinguir este coleccionar entre o tom sério que por vezes toma, com grandes reservas de anos longínquos, com a sensatez de ter uma garrafeira para todos os dias. Algo que muitas vezes falta ao comum dos mortais. Abstraído o aspecto financeiro é muito mais fácil fazer uma garrafeira de vinhos excelentes do que uma colecção de bons vinhos para o dia-a-dia. Sobretudo é difícil ouvir falar desses vinhos, daqueles de que podemos comprar várias garrafas sem termos que ficar preocupados com a conta bancária. Os vinhos que habitam o mundo entre o Casal da Eira e o Barca Velha, sem ofensa para qualquer um deles. Enfim, a classe média dos vinhos.

É relativamente fácil escolher um Quinta do Carmo, um Cabeça de Burro, um Barca Velha, um Cortes de Cima Reserva para constituir uma boa garrafeira. Já é mais difícil escolher entre as centenas de rótulos espalhadas pelas várias regiões do país, a preços entre os 2 e os 20 euros.

Muitas vezes tentei organizar notas de provas. Primeiro passar as minhas notas mentais para o papel, depois organizar os papéis em algo útil. Fracassei sempre. Creio que me faltava um incentivo de qualquer género. Penso que o encontrei.

Quando pesquisava na web, há uns dias, por um vinho, encontrei a Adegga. Uma ideia, um site, uma rede totalmente portuguesa. E totalmente em torno do vinho. Parecia bom demais para ser verdade. Mas é mesmo bom. E é mesmo verdade. E interessante. A Adegga permite que pesquisemos vinhos e possamos descobrir o que outros bebedores por esse mundo fora acharam deles. Mas isso é apenas o princípio, e eu próprio estou ainda a explorar as potencialidades existentes. Se nos registarmos pudemos introduzir os nossos próprios vinhos, bem como as nossas notas de prova. Eis o que me apelou muitíssimo.

Claro que encontro um ponto negativo, de certo modo compreensivo e assumido pela equipa nas FAQ: a língua inglesa. Presumo que se trata de uma opção que traduz uma vontade de internacionalização, o que é desejável. Mas seria, pelo menos, interessante, a bem de um certo nacionalismo latente que me habita, que o português fosse língua opcional.

Gosto sobretudo da flexibilidade e da facilidade de utilização. Como tenho o computador ligado 24 horas por dia é fácil chegar ao pé dele e registar uma rápidas notas de prova no fim de um jantar caseiro; ou no meio de uma conversa ver quem anda por aí a beber certo vinho.

Espero que esta Adegga se enriqueça.

5 comentários:

  1. Santa Joana Princesa, Dominicana27 de fevereiro de 2008 às 10:12

    quando é que podemos abrir o champagne? (Não é que eu goste, mas nessas ocasiões...)

    ResponderEliminar
  2. ainda vai demorar um pouco...mas seguramente este ano. Razões para comemorar há muitas.

    ResponderEliminar
  3. Belo post sobre um tema que também me é caro. Senti cada palavra como se fosse minha (escrevesse eu tão bem). Só não conhecia o site. Bem hajas pela dica.
    Já agora: pracetas, vinhos, Sporting, Alentejo, Ribatejo... Por acaso não tens nenhum interesse especial por Vespas, pois não? :)

    ResponderEliminar
  4. Esquece. Acabei de fazer uma pesquisa e já vi que sim. Só podia.
    Aquariofilia? :)

    ResponderEliminar
  5. Caro Pedro, realmente na Aquariofilia falhei: em tempos uma namorada ofereceu-me um aquário algo que tomei como uma grande responsabilidade mais do que com alegria. O pequenito peixe dourado morreu ao cabo de uns poucos meses. É verdade que era só um e o aquário pequenito mas ainda assim lamentei-o. Ainda tentei comprar outros (para não se sentirem sozinhos) mas tiveram o mesmo fim. E eu desisti.

    ResponderEliminar