sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A Presidência da República pelo mau caminho

digo a Presidência e não o Presidente pois quero acreditar que a decisão de vetar, politicamente, um dos mais importantes diplomas da Democracia portuguesa - aliás, aprovado por unanimidade pelo Parlamento - só pode ter sido tomada após ampla discussão no interior do Palácio de Belém.

O Presidente da República vetou o diploma relativo à responsabilidade civil extra-contratual do Estado. Para se ter uma noção da importância deste diploma basta dizer que é ele que regula todas as acções que os cidadãos possam querer colocar contra o Estado, seus órgãos e agentes, quando não exista um contrato a regular essa relação. O que acontece quase sempre. Erros na emissão de um licença de construção, com prejuízos para os particulares; expropriações mal feitas; etc.

Para se ter uma ideia da importância deste diploma importará também dizer que todo o sistema judicial administrativo foi já alterado várias vezes em democracia, porém, o diploma que vigora para a responsabilidade civil extra-contratual é de 1967, ou seja, celebra 40 anos, sendo ainda anterior ao 25 de Abril.

Não por acaso é um regime que limita por várias formas a compensação devida pelo Estado aos cidadãos por danos extra-contratuais provocados pela Administração Pública. O novo regime mudava isso, criando uma série de mecanismos que efectivavam a responsabilidade.

Num país em que o binómio fundamental de um Estado de Direito Democrático - liberdade/responsabilidade - conhece uma claro desequilíbrio a favor da liberdade ou da responsabilidade, nunca conseguindo garantir que quem tem mais liberdade deverá também ter mais responsabilidade, o Presidente da República vem dizer entre outras pérolas o seguinte:

a assunção de cargos de responsabilidade pode ser seriamente dificultada, se as pessoas tiverem plena consciência dos riscos que correm em caso de decisão contestável, como terão necessariamente que ter e ser especialmente esclarecidas sobre esse aspecto, não sendo de excluir que os responsáveis administrativos procurem evitar a todo o custo tomar decisões contrárias aos interesses manifestados pelos particulares, pondo assim em risco a imparcialidade devida e a salvaguarda do interesse público.

O que se está aqui a dizer, na fundamentação da Presidência da República, é que, confrontados com a possibilidade de serem responsabilizados, os decisores públicos preferirão decidir a favor dos cidadãos do que do interesse público. Isto implica algo de muito grave: que não só os decisores são pessoas fracas que não sabem discernir o que é correcto e tomar uma decisão; mas que, na dúvida, não confiarão nos tribunais para dirimir justamente o conflito.

Pior do que isto tudo é haver o princípio subjacente de que em cargos de responsabilidade pública não se correm riscos. Pois é bem o contrário que deveria estar nas mentes dos decisores públicos! Se um gestor privado tomar, em toda a consciência decisões que considera boas para uma empresa, mas que se revelam prejudiciais, nem por isso não será responsabilizado. Será e deverá sê-lo.

Existem outros pontos em que se prossegue com o mesmo tom desresponsabilizador do Estado, assim como existem alguns pontos que poderiam merecer atenção dos deputados. Porém, creio que as questões que o diploma levanta melhor seria deixadas ao cuidado de uma jurisprudência constante.

No cômputo geral, a toada que assume este veto presidencial é grave e perturbadora, e está bem sintetizada nesta conclusão:

Considero, em síntese, que deve ser repensado o pressuposto essencial em que assenta o presente diploma, nos termos do qual o Estado assumiria uma função «previdencialista» dos danos e riscos sociais através de uma expansão excessiva dos pressupostos de responsabilidade das entidades públicas, com especial relevo no domínio do exercício da função legislativa, ponto que não deixaria de contribuir, em prejuízo manifesto do interesse nacional, para uma relação pouco solidária entre o poder político e a sociedade civil.

Que dizer mais sobre este assunto, quando o Presidente da República conclui que devem ser os cidadãos a suportar (duplamente: com impostos e com a ausência de compensação) os erros, negligências e dolos do Estado?

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