segunda-feira, 2 de julho de 2007

Maria de Buenos Aires

Muito boa a ópera de Astor Piazzola e Horacio Ferrer que o São Carlos tem neste momento em exibição. Um pouco de Buenos Aires no coração de Lisboa, misturando dança, teatro e música, como uma boa ópera pode e deve fazer. Mísia esteve muito bem como Maria, embora com a voz um pouco fraca; melhor esteve o tenor Keith Davis; os bailarinos convidados foram magistrais, assim como o Quinteto El Después, dirigido por Victor Villena (associado também ao Gotan Project).


numa parede, Granada, Espanha*


Uma última palavra para o actor Manuel Callau, isto é, para o Duende. Quando há cerca de 16 anos tropecei em Federico Garcia Lorca, estava longe de imaginar que se iria tornar num dos meus escritores preferidos, algo que foi acontecendo com o tempo, não tendo sido nada de fulminante. Curioso é que, apesar de regularmente voltar à sua poesia...

Limonar.
Momento
de mi sueño.

Limonar.
Nido
de senos
amarillos.

Limonar.
Senos donde maman
las brisas del mar

Limonar.
Naranjal desfallecido,
naranjal moribundo,
naranjal sin sangre.

Limonar.
Tú viste mi amor roto
por el hacha de un gesto.

Limonar,
mi amor niño, mi amor
sin báculo y sin rosa.

Limonar.


...não é contudo um poema seu o texto que mais me fascina. Esse devo-o a Ortega y Gasset, se não me falha a memória, que um dia encontrei referindo-se ao Duende, em Teoria y juego del duende. Este texto, fruto de uma conferência proferida por Lorca, fascinou-me desde o primeiro momento que o li, como se com ele tivesse um encontro marcado. Mais tarde viria a encontrá-lo pela mão de António Franco Alexandre, que o escolheu para título e epígrafe do seu magnífico livro Duende. Lembro-me que desde o primeiro momento pensei que, em Portugal e na sua Língua, o Duende seria o Fado. E para o demonstrar propus-me, por essas alturas (terá sido por volta de 1998? talvez) a escrever a Teoria e Jogo do Fado. Esse texto, que principiei então a escrever, não passou das poucas páginas que há umas semanas encontrei num documento de Word com esse nome, algures nos confins de uma pasta que vem passando de computadores. Ao decidir-me a ir ver Maria de Buenos Aires e descobrir que tinha Mísia, para mim fadista, como contraponto do duende, achei em tudo aquilo um sinal de que deveria voltar à Teoria e Jogo do Fado. Prometi a mim mesmo que o faria até dia 30 de Junho, data em que veria a ópera no São Carlos. Mais uma vez, falhei. Porém, avancei um pouco mais na Teoria e Jogo do Fado, que me rendeu mais umas boas horas de audições, para entrar no espírito, e uns vagueares por Alfama, como espécie de investigação litúrgica. Sei que um dia, em breve, hei-de acabá-lo. Por enquanto, decidi-me a algo mais imediato, adquirir uma cópia da ópera Maria de Buenos Aires, para ter Piazzola, Ferrer e o Duende um pouco mais perto de mim.



* fotografia do Francisco, de que copio a forma de apresentação.

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