quarta-feira, 25 de julho de 2007

Da liberdade de aprender e ensinar
(ou do professorado revisitado)

Creio bem que uma das actividades mais difíceis que se coloca perante o ser humano é a de aprender e ensinar.

De aprender tenho pouco a dizer: acho que é essencialmente uma actividade solitária, mesmo quando e se, mesclada por momentos - que para mim são sempre acessórios e instrumentais - de aprendizagem partilhada.

Ensinar é outra conversa. É sempre um desafio imenso. Se não o é, é leviandade. Daí a admiração que tenho pelos bons professores. Pelo professor no sentido muito próprio que lhe dou. Tive um desses, no ensino secundário. Um professor à maneira de Sócrates. Contra a escolástica, a maiêutica. Se ele não dizia isto, digo eu. (foi, aliás, ele quem me emprestou, contava eu uns 16 anos, Três Ensaios de Montaigne, onde se encontra o Do Professorado, que aqui convoco em epígrafe)

Impressionou-me muito este modo de ensinar, difícil, lento, singular, atento ao destinatário ao mesmo tempo que, paradoxalmente, o respeita de um modo absoluto.

Ao contrário do discurso de cátedra, altivo, tendente à memorização ou à reflexão diminuta e quase sempre acrítica, o que este meu professor apresentava era coisa bem diferente. Ele propunha caminhos, apresentava autores, argumentava posições e pedia-nos que reflectíssemos sobre o que iamos ouvindo e conversando. Ele, literal e metaforicamente puxava por nós. À maneira maiêutica socrática tornava-se apenas num parteiro do nosso conhecimento. Um catalisador numa química íntima.

Cresci fascinado com este modo de ensinar e tomei a resolução interior de o tornar um modo de ser, sem que tivesse que necessariamente ser professor.

Creio que o mundo dos blogs veio relembrar-me isso. Reflectindo sobre o meu próprio blog, apercebo-me que revela bem como este modo de aprender e ensinar se integrou em mim: olhando o Em Busca pela Límpida Medida percebo que cumpre um papel duplo: se por um lado é um espaço de registo próprio das minhas mais diversas considerações, muitas vezes alheias a qualquer destinatária, mesmo ideal; por outro serve muitas vezes o meu modo mais radical de chegar aos outros: deixando aqui, sem mais, sem intrusões, sem tentativas de persuasão agressivas e desnecessárias, o que penso sobre as coisas, na esperança de que isso produza algum resultado sobre os meus leitores. É o mais longe que vou em tentar ser o catalisador de alquimias alheias.

Este meu professor que aqui referi dizia que o preço a pagar por esta forma mais bela e livre de ensinar era tomar toda a gente como pessoas interessadas e inteligentes, dispostas a criticar tudo, começando por si mesmas. Olhando para trás e para a frente, não diria dele ser uma pessoa idealista mas é claro que era, aliás, deixou de dar aulas, desiludido. Nesse aspecto os blogs tem uma vantagem para os idealistas: peritos em ilusões podem continuar a acalentar o sonho de que estão a chegar a alguém, a provocar reflexões, a incitar diálogos, a ser parteiros de novas ideias, a dar à luz descobertas fascinantes.

Se ensinasse haveria uma parte de mim que enlouqueceria definitivamente e, creio, teria que fazer um esforço diário para o esconder do resto do mundo: não deve ser nada fácil querer para as pessoas o melhor que elas possam tirar de si, mesmo não sabendo bem o que isso é e querendo apenas oferecer caminhos e não (logo) as chegadas. É cansativo, é frustrante. É bem mais fácil debitar, humilhar, despejar; invocar autoridade, convocar temores reverenciais.

1 comentário:

  1. Francisco:

    Concordo com quase tudo o que dizes no post. Tem piada que um dos professores que mais me influenciou foi também um professor de Filosofia.

    A expressão que me mais me despertou a curiosidade no post foi: "sem tentativas de persuasão agressivas e desnecessárias".

    Eu só recentemente comecei a dar aulas, dou aulas de matemática e física; gosto muito mais de ensinar matemática justamente por não exigir informação empírica e logo dispensar a tal persuasão.

    Ou seja, no fundo, eu sou um sortudo.

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