para o João Miguel Fernandes Jorge
Chegara, dessa vez, mais cedo à praça
da República. O café estava
inusitadamente cheio e houve palavras
de derrota a acompanharem
a primeira cerveja da tarde. Nem
sequer abriu o livro que trazia na mala:
uma edição mexicana, comprada
junto ao mar, de El Hombre y lo Divino.
Atrasou-se cinco minutos,
o seu amigo. Mas tudo lhe perdoou:
o atraso, as penas, o implacável
desafio que em breve o conduziria
às piores memórias que não tinha.
Frente a frente, liam cartas
um do outro - e até nisso estavam juntos.
O susto, verdadeiro, deu-se quando
lhe pediu, sem réplica, poemas
sobre a cidade onde fugiram ambos
da embriaguez da juventude:
tabernas e copos, diferentes maneiras
de nos ser devolvida a única
pergunta necessária - e a mais inútil.
Brincamos, somente, com os castelos
da morte. Talvez me bastasse
ter-lhe respondido que nunca escrevi
sobre nada; limito-me a anunciar
que vou morrer, com razoável certeza.
Mas foi isso, justamente,
o que não me ocorreu na altura.
Pedi outra cerveja, consegui pagar a conta.
E Coimbra, desta vez, anoitecia
mais devagar. Como se não fosse ainda
um despedida, à entrada do Jardim
da Sereia que para nenhum de nós cantou.
Manuel de Freitas
há umas semanas comprei Todos contentes e eu também, de Manuel de Freitas, ontem comprei-o novamente para oferecer à minha querida Lebre pelo seu aniversário, e aproveitei o pretexto para deitar mãos e alma aos Juros de Demora, de 2004. É dele este poema que podem ler ali em cima.
O Todos contentes e eu também tornou-se um livro importante para mim em poucos dias. É a Vertigem de Manuel de Freitas. Compreende poemas escritos na mesma altura da vida em que eu estava a escrever os poemas do primeiro livro: meados para os fins da adolescência. Com a diferença de que Freitas escreve muito melhor. Aliás, tão melhor que, ao ler, há umas semanas, o Todos contentes e eu também, me apeteceu voltar a escrever, algo que tenho feito pouco desde o parto vertiginoso, da chegada do filho enjeitado, mesmo se é boçal o cliché. Não renego a Vertigem mas Todos Contentes e eu também lembrou-me um caminho, redesenhou-me na luz uma perspectiva. D'as estranhas, de 1998, por exemplo, e de como p/ros/er/seguir a frase.
a estranha reclamada
Há um momento da vida que é do corpo
Da viagem apressada à boca do mundo
Onde o espaço se condensa num ponto
E morde a alma de repente
Há um grito nesse momento de luz
sem que haja tempo mas brevidade.
E há depois o calor suave das dunas
E o torpor da brisa quente, uma morna secura,
Um pesar de sonolência. Uma brandura
Há uma miragem de mulher
Que povoa o pleno ocaso
Imagem de estranha que sequer
Sabe doce o seu acaso
Miguel Soares
Espero que isso signifique que em breve vou ler novas coisas tuas...
ResponderEliminarO poema (?) de Manuel de Freitas é bonito. Bem podia ser prosa...
ResponderEliminaré verdade, bem bonito. Mas em poema ganha outro ritmo.
ResponderEliminarena! gostei muito!
ResponderEliminarum abraço e bons dias por aí que, por cá, esperamos pelo próximo fino a ser bebido no tropical com o Miguel Maria de Chapeleiro Maluco
:)
:)
ResponderEliminarao ler este post fiquei com tantas saudades de ler (muitos) poemas teus.