sexta-feira, 18 de maio de 2007

O argumento sem nexo

Tomo as palavras de Pedro Lomba, como exemplo de uma corrente que despontou com a nomeação de Rui Pereira como Ministro da Administração Interna:

"...e, diga-se, isto de passar do Constitucional para o Governo não me parece bem".
Pedro Lomba, DN, 17 de Maio de 2007.

Se não parece bem a Pedro Lomba, e a outros, o caldo está realmente entornado. Não tenho nada contra argumentos de autoridade - e este argumento do Pedro não é mais do que isso - mas gostaria de saber mais. Por que razão não pode um juiz do tribunal constitucional desempenhar funções governativas?

Descontando a vontade de obter dividendos políticos não se vê qualquer razão.

O Tribunal Constitucional português é um tribunal jurídico-político.

Começa logo pelo nome: Tribunal Constitucional. Se há domínio do Direito que vive nas fronteiras entre o jurídico e o político é o Direito Constitucional. Não se pode pensar o Estado, as relações entre os cidadãos, enquanto comunidade ou individualmente, o seu território e o poder político sem que se tenha uma (pré-)compreensão política do Mundo. Isto é evidente.

Aliás, isso mesmo explica o cuidado que tiveram os nossos constituintes ao elaborar o regime de nomeação dos juizes do Tribunal Constitucional: prevê o n.º 2 do artigo 222º da Constituição que...

Seis de entre os juízes designados pela Assembleia da República ou cooptados são obrigatoriamente escolhidos de entre juízes dos restantes tribunais e os demais de entre juristas.
esta divisão equitativa entre juízes de carreira e juristas espelha bem a necessidade de juntar o domínio do político e do jurídico que o território constitucional convoca. Sendo sempre o campo do Direito que está em causa nem por isso devemos ser inocentes: por isso mesmo se entregou a nomeação desses juízes à Assembleia da República, órgão de soberania de representação política popular directa.

O Tribunal Constitucional tem que decidir em matérias de actualização da constitucionalidade. Sempre que o Tribunal Constitucional aprecia a conformidade de uma norma com a Constituição, seja num processo de fiscalização abstracta ou concreta, não se trata apenas de fazer um mero juízo de confronto entre duas normas mas de actualizar, permanentemente, a interpretação que as normas constitucionais devem ter no momento do juízo de conformidade a efectuar. Ora as questões abordadas pela Constituição não são questões esotéricas e, sendo certo que existe um método jurídico de as resolver, elas convocam mundividências políticas que devem ser levadas em conta, sob pena de se viver num falso mundo.

Este é, aliás, o costume comparado. Um dos mais importantes tribunais do mundo com funções de fiscalização da constitucionalidade, mesmo pertencendo a uma família jurídica distinta da portuguesa, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América, é composto por juízes, cuja nomeação reveste a maior delicadeza política (maximizada pelo facto de serem nomeações vitalícias). Os juizes desse tribunal têm um passado, muitas vezes politicamente activo. E nem por isso perdem credibilidade.

Em Portugal, porém, a crítica parece ser a oposta: não a de Rui Pereira ter um passado político mas a de ter um futuro político. Parece, sobretudo, fazer confusão a alguns mentes, que ele só tenha estado dois meses no cargo. Seria diferente se tivesse estado dois anos? Qual seria a diferença?

Se não é uma crítica temporal, o que sobra? Creio bem que nada. A verdadeira crítica que se poderia fazer seria se Rui Pereira fosse nomeado juiz do Tribunal Constitucional enquanto desempenhava funções de Ministro da Administração Interna. Mas não foi isso que aconteceu.

E o país conhece casos, à esquerda e à direita a bem da paz política, de juizes do tribunal constitucional com passado e futuro político-partidário e governativo.

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