sábado, 17 de fevereiro de 2007

Casino Royale

With most women his manner was a mixture of taciturnity and passion. The lenghty approaches to a seduction bored him almost as much as the subsequent mess of disentanglement. He found something grisly in the inevitability of the pattern of each affair. The conventional parabola - sentiment, the touch of the hand, the kiss, the passionate kiss, the feel of the body, the climax in the bed, then more bed, then less bed, then the boredom, the tears and the final bitterness - was to him shameful and hypocritical. Even more he shunned the mise en scène for each of these acts in the play - the meeting at a party, the restaurant, the taxi, his flat, her flat, the the week-end by the sea, then the flats again, then the furtive alibis and the final angry farewell on some doorstep in the rain


Ian Fleming, Casino Royale

Vale a pena repetir: há deliciosas ironias na vida. Por exemplo, Daniel Craig fez-me ler um livro. Casino Royale de Ian Fleming, como se pode advinhar. O caso explica-se de forma simples: achei a interpretação de Daniel Craig, na nova e última encarnação do agente 007, James Bond, que decidir confrontar com o original. Queria, confesso-o, redimir Daniel Craig. Queria ler o original e descobrir que é, afinal, com Daniel Craig que James Bond se assemelha consigo mesmo. Com a personagem masculina que Ian Fleming criou.

Infelizmente estava, parcialmente certo. Infelizmente, não tanto por não gostar do James Bond de Ian Fleming ou preferir Connery, Moore ou Brosnan mas, porque, achando algum interesse ao Bond original, deste primeiro livro de Fleming, não consigo deixar de imaginá-lo com a aparência e os maneirismos de Craig.

Parcialmente porque o Bond original é um tipo profissional, frio e quase sempre cínico. Mas ao mesmo tempo meditativo, refinado. Muito para além da exuberância física e da bluntness craigiana.

Deixemos, por isso, Craig de lado. Mesmo se dele se possa dizer que, exceptuadas as primeiras interpretações de Connery, poucos capturaram tão bem o espírito do Bond de Fleming. Aliás, o próprio autor, que originalmente preferira Moore e tinha reservas quanto a Connery, gostou tanto da interpretaçao do actor escocês que incluiu referências a uma ascendência escocesa de Bond nos seus romances posteriores.

Comecemos pelo mais importante. Enquanto romance, obra literária, Casino Royale é fraquinho. Mesmo apertando a malha, relaxando o critério e olhando para ele como policial, Casino Royale é fraquinho. Tem um estilo um bocadinho descompassado, ora espartano, ora gorduroso (no fim até já estava a achar piada a isso) e tem twists pouco em sintonia com a disbelief que se exige e permite.

Mas, talvez pelo lastro icónico do 007 Bond, os bons momentos de Casino Royale são inspirados. E até inspiradores.

James Bond, goste-se ou não dele, é uma personagem verdadeira. É um homem com um passado, do qual pouco ou nada se sabe, como hábitos e maneiras cuidadas, com tiques e perplexidades humanos, convidativos. Creio que foi isso que escapou a alguns dos seus intérpretes e a quase todos os seus espectadores: Bond é um tipo básico não por natureza mas por profissão. Stick to the job at hand. Tal como, sem qualquer contradição, também é, por profissão, um tipo sofisticado e perspicaz. Embora, em Casino Royale, se deixe enganar por uma mulher.

Para começo de saga, e escrevendo a esta distância, sabendo o fenómeno, sobretudo cinematográfico, que é Bond, Casino Royale, a novela, é um bom começo. Não é genial, não é bom. Mas goes about its business: cria um personagem interessante - mesmo se o estilo literário nem sempre o merece - e deixa-o para sempre numa encruzilhada existencial que é irresolúvel. O James Bond de Fleming já nos é apresentado como impiedoso, sofisticado, sedutor e tudo o mais. Aliás, para sabermos isso nem precisamos de ler o livro, basta a contracapa. Casino Royale preocupa-se com outra coisa. Com afirmar isso e demonstrar como se comporta este homem em face da morte (ou, para ele pior, da emasculação) e do amor. Duas realidades que só conhece em sucedâneos.

Não foi tempo perdido, este Bond, quanto mais não seja pela passagem que deixo como epígrafe deste texto.

Sem comentários:

Enviar um comentário