terça-feira, 1 de junho de 2004

Primeiras edições e romance histórico



Comecei pela manhã e estou quase a acabar o último João Aguiar, Uma deusa na bruma. Isto de antecipar um ano a ser exclusivamente leitor e escritor profissional dá nisto: o ritmo e a motivação da leitura disparou anormalmente. Mas com boas consequências, espero. Na feira do livro de há 3 anos cometi o terrível erro de ter aprovisionado mais do que consumo. Ou pude consumir desde então. Exceptuados, aliás sendo eles a causa, os livros lidos por razões profissionais. Assim sendo desde então tenho na minha biblioteca umas boas dezenas de livros que ainda não consegui ler. Até porque, por vezes, compro algum fora de cálculo e lá se vai a minha metódica regra de leitura por água abaixo - o último foi a biografia do Lewis Carroll, que bem valeu a pena.



No entanto, estou decidido a, até ao fim do Verão, sempre boa altura, desfazer o atraso e ficar sem livros por ler. Apenas mais para ler.



Voltando ao João Aguiar (cuja escolha se explica com o mais simples dos critérios, comecei pelos autores portugueses e por ordem alfabética) regressei à casa da partida (que saudades do Monopólio): o primeiro livro dele que havia lido, há quase quinze anos, foi a primeira edição do seu primeiro livro, a Voz dos Deuses. Livro esse que misteriosamente desapareceu da minha colecção.



Não tenho o culto das primeiras edições enquanto tais. Acho que o amor às primeiras edições, como todo o verdadeiro amor, é sempre descoberto sobre o ombro. Olhamos para trás e percebemos como se tornou importante um dado livro, para nós e/ou para o mundo. Livro esse que tivémos desde o primeiro momento. Assim com a Voz dos Deuses, que me foi oferecido, sem que então conhecesse João Aguiar mas que imediatamente me fascinou pelo estilo e pela temática. Pelo estilo porque João Aguiar tem a escrita fluida do jornalista feito contador de histórias, simultaneamente investigador e contador. E porque abraçou o romance histórico.



O romance histórico é um dos mais difíceis géneros. Sobretudo se o autor chegar a ter leitores dedicados. Umberto Eco conta uma famosa história a propósito do Pêndulo de Foucault em que um leitor corrigiu uma sua referência toponímica de Paris (sem razão, no entanto, como se pode ler em Seis Passeios nos Bosques da Ficção).



O romance histórico alicia porque é a um tempo ajudante do escritor e seu instigador. Ajuda-o porque lhe oferece o longo passado histórico como ponto de partida onde o escritor pode encontrar inspiração e apoio. E instiga, pois a múltipla obscuridade histórica dá azo a muita ficção onde a ciência não chega.



Torna-se assim um ambiente apetecível para todos aqueles que gostam de aliar a História a uma história. Ficção e não ficção. É talvez o género mais inocente e puro pois começa com o sonho que todos os miúdos têm de fantasiar a História que aprendem.



Os exemplos dos seus cultores são inúmeros. Um dos meus romances preferidos, normalmente considerado intragável, foi escrito por um nome maior do romance histórico português, Alexandre Herculano. Refiro-me a Eurico, o Presbítero.



Em Uma Deusa na Bruma, João Aguiar volta ao tempo de A Voz dos Deuses embora centrado noutro ponto da Península Ibérica e com outra história por fundo. Apenas Viriato, incontornável, continua presente.



Tenho pena de não ter a primeira edição do seu primeiro livro (entretanto comprei outro exemplar - da 23ª edição) mas fico contente por ter retomado as leituras adormecidas com esta história.

Sem comentários:

Enviar um comentário