sexta-feira, 23 de abril de 2004

Professor primário e/ou A nova sala de aula



Noutros tempos, com outro carácter talvez, teria sido professor primário.



O professor primário é o único que não tem desculpas. E o único que ainda tem alguma possibilidade de contender com os pais por um lugar de real importância e influência na educação das crianças. Uma boa educação primária condiciona todo o percurso de uma criança. E, inevitavelmente, a sua idade adulta.



Afirmo que o professor primário é o único que não tem desculpas pois não tem nenhum sistema antes de si, nenhum grau de influência. O professor que se vê confrontado com um aluno mal preparado, desmotivado não raras vezes questiona-se sobre a sua preparação e atribui tal estado à má educação de anos anteriores, quando não mesmo de completas fases prévias de ensino. Como exemplo a péssima preparação com que os alunos do secundário chegam ao ensino superior.



Ora, o professor primário não tem esta desculpa e ainda bem. Lida com as crianças quando elas apenas têm, no melhor dos cenários, a família como referência. E numa idade e estádio em que se encontram completamente permeáveis ao conhecimento.



Gostaria de ser professor primário pela centralidade dos saberes que cabem as estes professores transmitir. E porque o fazem quando as crianças ainda não estão viciadas, cansadas e por vários modos baralhadas e confusas com a sua própria ideia e percurso. Quando, por outro lado, ainda não passaram vários anos num sistema de ensino viciado e viciante, onde professores e alunas parecem ratos de laboratório.



Estes professores ainda mantém a velha saula de aula, onde as relações são bidireccionais, onde se tenta acudir a todos os alunos por igual e onde isso é possível porque a exigência de teorização e concentração é menor e o número de alunos mais reduzido.



Desenganem-se os que pensam que as restantes salas de aula são locais de aprendizagem onde o professor ensina os alunos. Não. Hoje o professor tem apenas dois caminhos possíveis. Ou persiste num modelo de relacionamento directo com os alunos, bons ou maus, aplicado ou não, motivados ou não. Ou aceita que com trinta ou quarenta alunos isso é uma quimera e acolhe a nova sala de aula, onde o professor volta à pureza dos princípios ensinando directa e detalhadamente um punhado de bons alunos, leia-se motivados e com referências exteriores à escola, criando-se, mediada por estes, uma relação indirecta entre o professor e os restantes alunos.



Assim salvam-se uns quantos e sempre se aspira a que os restantes se inspirem nos poucos. Esta visão cínica e de recurso da nova sala de aula tem de ser aceite pois é a escola que temos e não me parece que vá mudar até que a demografia actue. Novas escolas e mais professores, com os Governos que temos conhecido, é coisa que não vale a pena esperar.



Com este cenário, gostaria pois de ser professor primário, à margem destes problemas, cada vez mais, num país onde a taxa de natalidade desacelera rapidamente e onde as escolas primárias do velho regime e a menor exigência científica dos professores ainda permite fornecer um ensino primário que as crianças mereçam. Aquele que permita ao professor ser um verdadeiro pedagogo, relacionando-se com a criança, percebendo a sua individualidade e orientando o ensino para as suas especificidades.



Ao contrário da massificação da pedagogia que trata os alunos como carne para canhão, que os burocratiza, obrigando os professores a oferecerem verdadeiros programas-contratos de cláusulas gerais, para todos o mesmo, para todos iguais.



Assim se mata o indivíduo e a sua inserção social.









Sem comentários:

Enviar um comentário