quinta-feira, 18 de março de 2004

Breves notas sobre a chegada da Primavera - III



Quando pela primeira vez olhei um caleidoscópio fiquei deslumbrado: a fragmentação das cores e das formas era o mais perto que me tinha visto reflectido até então. Nunca achei o eu singular, sempre plural. Mais que plural, indistinto. Diferente de Pessoa, ou qualquer outra projecção de personalidade, a indistinção do eu, a ausência íntima de identidade em mim, era caracterizada por uma profunda busca por algo mais. Num certo sentido, sempre soube que a divindade era tão real quanto a humanidade. Na medida em que eramos o mesmo: alteridade nuclear. O que vos quero dizer é que não sei o que sou pois posso ser muita coisa. E tudo o que pode ser muita coisa é afinal nada ou deus. Deus não sou pois Esse possui a Límpida Medida da Sua Alteridade - fostes feitos à Sua Imagem, dizem - eu apenas a busco. Penso que todo o projecto humano, sem os meus excessos meta-personalísticos é bem mais saudável do que a construção semi-rigída de uma personalidade, de uma identidade. Isto no mundo de hoje. A mutação voraz do mundo actual não se compadece com identidades claras, que aniquila e consome, sem pejos. Mas o oposto, o meu oposto, torna o mundo um local simultaneamente infinito e acolhedor, conhecido e ignorado. Tudo parece à distância de um olhar terno, de uma conversa atenta, de um abraço forte.



A fragmentção das cores e das formas é afinal uma forma de ser. Adorei caleidoscópios desde sempre.

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