sábado, 3 de janeiro de 2004

Parentesis



para a Figment, por um Post Scriptum



Serve este parentesis, nos temas que vêm sendo abordados neste blog, para discutir um aspecto muito importante nos relacionamentos humanos. Quer no relacionamento intrapessoal, quer no interpessoal.



Este texto pode ter dois inícios. E terá mesmo. Depois arranjarei maneira de o tornar uno.



1. A imagem que cada ser humano tem de si mesmo sempre foi um tema que me interessou. As razões estão intimamente relacionadas com as várias possibilidades de auto-imagem que cada ser humano pode ter. Interessa-me compreender como cada pessoa constrói o seu Eu consciente. Isto porque estou normalmente interessado nas pessoas enquanto númeno, para usar o termo kantiano para a realidade em si, que não pode ser conhecida. Pelo menos, até posso concordar com Kant neste ponto, não racionalmente. Mas a razão interessa-me muito pouco no que toca a conhecer pessoas. Utilizo-a como se utiliza uma máquina calculadora ou um computador: como um utilitário. Para fazer contabilidade, inventários e outras tarefas mecânicas. A criação, a descoberta, as hipóteses, essas, são instintivas.

O motivo porque me interessa conhecer a construção e a manutenção desta auto-imagem alheia, de várias pessoas que cruzam a minha vida prende-se com o meu interesse em perceber como cada uma delas se projecta no mundo e, mais importante, como isso influencia, consciente e inconscientemente, a sua relação com os outros. Por paradoxal que possa parecer nada afecta mais a nossa capacidade de nos relacionarmos com os outros do que a forma como nos relacionamos connosco. Primeiro conscientemente e, depois, para lá das suas fronteira obscuras, inconscientemente. E não me refiro ao prosaico "Se eu não gostar de mim, quem gostará?". Penso sobretudo no espaço que nos permitimos e aos outros. E aqui sim começa a ser importante referirmo-nos às concretas medidas de auto-imagem...

E tudo isto porque a auto-imagem é o véu entre aquilo que podemos dar para o Mundo Exterior e aquilo que pode ficar irremediavelmente preso Cá Dentro.



Outro princípio



2. Durante muito tempo e ainda hoje, embora com menos intensidade, muitas pessoas tiveram e/ou têm de mim uma imagem que, invariavelmente, contém os epítetos de convencido, arrogante, "com a mania" (gosto muito desta), entre outras na mesma toada. Abstraindo agora das razões que originaram estas qualificações, o que só por si merecerá um post autónomo, do que vos quero dar conta é de algumas reflexões interiores que fui fazendo ao longo dos anos. Quanto ouvia estes comentários ou, melhor dizendo, reflectindo sobre as ideias que sabia as pessoas terem de mim, nunca lhes levei a mal o que pensavam. Por várias razões, como não me conhecerem o suficiente ou eu mesmo provocar essas ideias. Mas o que restava para além disso era uma sensação de que as pessoas que mais me projectavam assim eram as que tinham uma imagem mais insegura de si mesmas. Ou eram mais inseguras. O que é - quase - o mesmo. Coloquei a hipótese de a minha auto-expressão, tradução da minha auto-imagem, poder assustá-las de um modo irreconhecível. É que havia algo em que estávamos de acordo: eu sinto-me especial. E, provavelmente, isso percebe-se. Mas o que penso que essas pessoas nunca perceberam é que eu sinto-me especial pela mesma razão que penso que a quase totalidade das pessoas se deverá sentir especial: a identidade. Aquilo que construimos, com o nosso tempo e o nosso espaço, as nossas experiências, tornam-nos especiais em relação a uma banalização e massificação opressora. Impede-nos de sermos estereótipos vivos. Daí dar tanta importância ao mundo interior. É que construir uma personalidade ou uma imagem dela conformada pelo mundo exterior, total ou maioritariamente, é cumprir os seus ditames e as suas obrigações. Ora, o mundo exterior, tanto mais se o considerarmos enquanto sociedade ocidental coeva, é banalizante. Visa ordenar e estruturar. Mesmo que seja ordenar e estruturar a diferença. Todas as alternativas são alternativas dentro de um sistema.

Serve todo este intróito para fundamentar a minha perplexidade pelas pessoas que se surpreendem com o seu próprio valor, o valor das suas ideias e das suas opiniões. Para mim o valor é aferido por um conjunto de critérios cujo primeiro e determinante é a genuinidade. Razão pela qual gosto de conversar com praticamente toda a gente e de saber o que pensam todas as pessoas com quem me cruzo e que não demonstram ser estereótipos ou preconceitos ambulantes. Os dogmáticos também me chateiam um pouco.



A verdade, para mim, é que verificado um princípio que posso designar por Princípio da Genuinidade, toda a opinião se torna preciosa e importante. O que importa é perceber que a pessoa se está a expressar intimamente, quer seja com a razão quer seja com a intuição. A forma como uma prevalece sobre a outra é variável de momento para momento e de pessoa para pessoa. Verificado este Princípio estou (estamos) pronto para discutir ideias e opiniões mesmo que, posteriormente, venha a ficar desagradado com elas ou com elas discorde. Mas isso é já o que para mim menos importa. E sempre assim foi. Importa-me antes de mais que as pessoas sejam. Nesse sentido escrevi, aliás, o post respeitante à Liberdade do Outro.



Também nesse sentido darei sempre importância a toda e qualquer opinião, desde que perceba a sua genuinidade. É esse o valor da pessoa, que posso aliás mal conhecer. A pessoa valerá para mim, nesse contexto, pela sua auto-expressão, que é especial. Especial enquanto própria e potencialmente única. E isso é tudo o que me importa.



A sua importância será total e penso que cada pessoa deveria sentir, longe de prepotências ou presunções, que contém uma especialidade na medida em que habita em si uma forma irrepetível de traduzir o Universo.



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