terça-feira, 13 de janeiro de 2004

O sorriso



Acontece um dia que amar não encontra verbo. Amar deixa de ser amar. A palavra morre à boca de quem a profere por senti-la gasta, usada, por vezes moída. Distante.



Um dia ama-se o mundo de uma forma tão brutal, tão voraz, tão intensa e imensa que é evidente uma palavra não bastar para exprimir tal sentimento. É impronunciável.



Um dia percebo que, sinto algo para além das palavras, tão mais para além de qualquer significado possível das palavras. Algo que poderia ensejar explicar mas que destruiria o momento. E mais, o meu fruir o momento.



Nesse momento precisamos de fazer um pacto primordial com o que de mais primordial temos: a irracionalidade. Precisamos de perguntar ao nosso íntimo como havemos de designar o Infinito. O infinitamente belo, o infinitamente humano. Como se haverá de expressar aquilo que nos faz calar. Como se há de designar aquele momento silêncio de deslumbre pela normalidade. Pela humanidade. Por qualquer coisa simples que nos faz sentir.... sentir...algo que procuramos exprimir... eis o círculo da expressão do impossível.



E então, quando sinto essa insuportável carga sensível possuindo toda minha consciência, embrenhada em partes de mim que não vislumbro, sorrio.



Eis o sorriso. A resposta à minha pergunta interior. A minha forma de responder à carga, ao choque, ao confronto do Absoluto em mim. Sorrio. Sorrio sem pensar como. Deixo todo o meu corpo sorrir. Principiando no rosto, espalhando-se aos olhos. Eis como reajo ao colapso dos sentidos e do intelecto em pilha de confusão humana, pessoal. Imediata. Sorrio. Pois sinto o inexplicável, abraço-o. Aceito-o. E em mim o sorriso desenha-se. Assim o percebi como o arauto do que em mim compreende o Absoluto.



Sorrio para serenar em mim o universo. Para exalar o cheiro do mundo em mim. Para te dizer que está tudo bem.

Sem comentários:

Enviar um comentário