domingo, 4 de janeiro de 2004

"Concordo em absoluto quando dizes que a liberdade que desejas é (deve ser) aquela em que o mundo interior submete o exterior, sem no entanto o excluir. Isso sim é a liberdade, estou mais do que de acordo. Mas tu consegue-la? És tu capaz de a ter em todas as tuas relações sociais? És aceite assim mesmo? Consegues aceitar uma grande quantidade de pessoas, pessoas que não te digam muito, pessoas normais? Ou ela é reservada apenas para dois ou três seres mais íntimos de ti, que aceitaram também dar-te eles mesmos essa tua liberdade?"



Figment




A liberdade és tu



Antes de mais a liberdade tem de ser para mim. Por isso, num primeiro momento a frase "És tu capaz de a ter em todas as relações sociais?" não faz, para mim, qualquer sentido. Do que escrevo é de uma libertação das relações sociais. Ser capaz de ser livre enquanto ser solitário e só então, consciente de si, dar um passo no mundo. Sendo este o cenário ideal pois o mais comum é ser necessário fazer os percursos em paralelo, correndo-se o risco das duplas personalidades, esquizofrenias, depressões e patologias psíquicas em geral. Além do autismo puro.

O meu mundo interior dita-me as decisões principais na minha vida, nesse sentido sou livre. Não tanto quanto gostaria pois ainda não resolvi alguns aspectos, como a completa autonomia físico-material. Penso que nunca o conseguirei, a não ser que fique rico milagrosamente. Ou seja, preciso de interagir com o mundo exterior e, assim, num certo sentido, de me subordinar a ele, para conseguir surprir as minhas necessidades básicas. Mas em tudo o resto sou livre pois determino-me com base no meu mundo. E, sobretudo, estou permanentemente atento às impressões e comandos do mundo exterior. É neste sentido que me referia num destes últimos posts em aprender a iludir a sociedade. Em dar algo ao mundo sem contudo nos darmos. A minha subordinação ao mundo exterior é confinada ao estritamente necessário para sobreviver materialmente e, ainda assim, de um modo simples. A partir daí pretendo que seja o meu mundo interior a determinar-me no mundo exterior. Para isso tenho todos os dias de lutar contra as imposições, mais subtis ou mais óbvias que este lança contra mim, contra a imagem que tenho de mim. Para poder filtrá-las e torná-las, por caminhos vários o meu mundo. E não um peso ou, pior, uma instrução. Exactamente por isso, e já aqui falei da diferença entre compreender e aceitar, estou disponível, nos termos da minha liberdade, para aceitar tudo e todos aqueles com quem partilhe um mínimo de regras de convivência. Tudo o resto é o seu espaço de conformação do mundo exterior ao mundo interior.



Onde de todo não te acompanho é na tua última frase



"Ou ela é reservada apenas para dois ou três seres mais íntimos de ti, que aceitaram também dar-te eles mesmo essa tua liberdade?"



Não são os outros que me dão a minha liberdade. Sou eu que sou livre ou me deixo aprisionar. Se os outros tiverem o poder de me dar a liberdade isso significa desde logo que não sou livre. E tal é para mim inaceitável.



Escreves sobre uma graduação da intimidade como forma de operar a liberdade. No entanto, a liberdade de que aqui venho escrevendo é alheia a essa concepção. O que a liberdade, no sentido que venho apresentando, permite é um auto-conhecimento que pode ser utilizado para o que quiseres. Que te pode permitir-te dares-te a duzentas pessoas ou apenas a duas. Que te pode permitir aceitar o que quiseres mas consciente das razões por que o fazes e não manipulada pelas tuas próprias auto-ilusões, que nem sequer seriam tuas mas induzidas por uma espécie de consciente colectivo (é realmente consciente colectivo, não é gralha).



A mim preocupa-me muito as formas como as pessoas se podem auto-iludir de mundo exterior numa clara reacção ao medo, consciente ou inconsciente, que têm em enfrentar os seus próprios medos. O que é o mesmo que dizer, em enfrentar as zonas mais obscuras de si. Pois o medo nada mais é que uma ausência de claridade.

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