segunda-feira, 22 de dezembro de 2003

O Indizível



para "I'm just a figment of your imagination"



a minha amiga Maria do Mar, que aliás regressou há pouco e com poesia, escrevou-o assim:







Indizível



Tu és o princípio indizível

Que tece a minha vida

És fome de agarrar

E querer o sangue e a carne

És a raíz do meu beijo mais puro

Do meu passo mais certo

Do meu único futuro.



És claridade e escuridão

Dentro dum sonho

E sonho todas as noites

O dia inteiro de ti.



És perpetuamente a vontade do meu corpo

E és a voz lembrando

A precisão do gesto que faz amor

Que mostra a ternura do abraço.



És a aurora e o crepúsculo

E és assim a matéria do meu braço

Que age, deseja e quer.



És a violência da dor

Que traz a ausência

Na mais recente lonjura

E és também leveza do tempo

Quando moro no teu olhar.



És a minha solidão, pois nela entraste

Levo-te a todo o lado

E não há força ou surpresa

A palpitar no meu peito

A desejar-se na minha mente

Que não te contenha.



Pois tu és o princípio indizível

Que me percorre e explica

Tu és o meu sangue em flor

És borbotões de cores

De corrida, de passos, de voos

As mil horas ainda que restam

Sobre mais mil e outras, até à morte.





És aquele princípio indizível

Que não explica a origem da vida

Ou a dança do átomos

Não explicas os buracos negros

Nem os fundos dos mares

És aquele princípio indizível

Que explica a minha vida

Que contém os seus segredos

Que permite a construção e a forma

Do trilho, da estrada

Do caminho ainda por vir



És aquele princípio indizível

Inominável

És nume de luz

Existência, energia e crença

Que é o núcleo das minhas células

A chave dos meus genes

És a linguagem do meu pensamento

Tu és a minha língua.



És o meu princípio indizível

Inexplicável

Pois não se explicam os matizes da criação

Não se sabe qual é o nome do amor.



És esse princípio indizível de mim

Assimilado pelo meu corpo

Deduzido em existência

E assim és o meu desejo de ser

Pois eu sou o desejo de ti.



És o princípio que levo comigo

Na aventura total da vida

Quando apanhei o comboio grande

Por entre estradas e fronteiras

És os meus olhos outros

Para os povos e as vitórias

Só contigo percebo e quero

O que resta ainda de mim.





Tu és a minha viagem

És a ida, a bagagem

És os transtornos e os prazeres

És a força que explica

O próximo passo

O descanso, a insistência

O cansaço.



És indissociada de mim

Pois somos explicadas uma pela outra

E partilhadas uma pela outra

Em corpos que se bebem e contagiam

De emulsões e tremores

De liberdade e fervores.



Tu és o princípio indizível

De qualquer meu gesto

De qualquer meu fôlego

De qualquer certeza



És o nome dos meus filhos



Tu és aquela com quem dormirei sempre

No fim diário das horas

Até à morte final dos dias

Só contigo me quero deitar



Pois se és o princípio indizível de mim

E condensas em ti o universo

Só em ti há repouso e redenção

Só contigo abraço o tempo

Só contigo beijarei a morte.



Maria do Mar




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